O inédito rebaixamento produzirá duas transformações na vida do Inter. A primeira é a do campo. São adversários de menos grife, alguns estádios acanhados e uma dificuldade imensa de remontar o time. Entre emprego na A ou na B, é razoável que um futuro reforço prefira a primeira vogal do alfabeto. Já se sabe que pode faltar dinheiro para pagar o 13º salário dos funcionários terceirizados.
Esta é a ponta visível das implicações de descer um andar abaixo. Mas há uma outra transformação, interna e invisível, em andamento. Está nascendo uma nova oposição no Beira-Rio. A eleição que ungiu Marcelo Medeiros presidente, no embalo da rejeição à Vitorio Piffero, e a todos que passaram perto dele em 2016, redesenhou o Conselho Deliberativo.
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Nomes importantes e atuantes na vida do clube foram expurgados. Alguns nem tinham a ver diretamente com as trapalhadas do futebol. Foram arrastados pelo tsunami concorrendo em chapas diferentes, mas vinculadas à situação. Não alcançaram a cláusula de barreira de 15% dos votos. São os casos de Alexandre Limeira (administração), Emídio Ferreira (patrimônio) ou Giovanni Gazen (jurídico). Outros, nesse cenário: Décio Hartmann, Luis Eduardo Paluga, José Vecchio (vice-presidente do Conselho) e Fabrício Berto. Todos estão fora.
Até candidatos de oposição foram atingidos pela onda, de certa maneira. O grupo Sócio Deliberativo teve candidato contra Piffero no primeiro turno, José Amarante, mas perdeu na disputa entre os críticos da atual gestão. Assim, Keller Clos (seria vice de futebol) e o deputado Onyx Lorenzoni deixam o colegiado.
A pergunta é: quem herdou os postos dos que saíram?
A resposta: uma jovem e nova oposição.
Medeiros recebeu 94% dos votos muito por ter encarnado o anti-Piffero, mas isso não significa maioria. O colegiado agora tem outro perfil. São jovens, muitos em primeiro mandato e desconhecidos do grande público. Querem renovar. Criar novos líderes. Vitorio Piffero e Fernando Carvalho, antes hegemônicos pelo currículo construído graças ao protagonismo nos maiores títulos, saem fragilizados do processo. Piffero causou o naufrágio.
Carvalho foi chamado com o navio afundando e não o salvou. Errou com Celso Roth, mas teria conseguido com técnico melhor, mesmo de mãos atadas para contratar? É provável que sim, mas certeza disso nunca teremos. Lidou com o vestário esfarelado e limitado que recebeu. Os dois tem culpa. Mas culpas bem diferentes. O fato é que a fragilidade deles aduba ainda mais o terreno para essa espécie de mundo novo na política do Inter.
Outra pergunta: de onde saíram os conselheiros que atropelaram figuras carimbadas no Beira-Rio?
De dois novos grupos.
A grande novidade é o Povo do Clube, que fez 43 cadeiras. Na eleição passada, em aliança com o Acorda Conselho, já haviam somado 31. Os caciques estão muito errados se ignorarem estes 71 conselheiros. Eles são mais jovens, atuam com ênfase nas redes sociais e, neste ambiente, se aglutinam em tempo recorde para opinar e protestar. São organizados. Levantam bandeiras como acessibilidade e a criação de setores populares no Beira-Rio. Surgiram acusações de que o Povo do Clube estaria por trás de atos de vandalismo. O grupo negou autoria. E acrescentou que nem poderia ser responsabilizado por ações individuais.
Outro vitorioso na eleição é o Inove, que fará oposição a Medeiros. Há dois anos, recém-nascido, levou 25 cadeiras. Após a fusão com o Coração Colorado, 36. Total: 61. São nomes mais experientes, que integraram a gestão Giovanni Luigi. Vale lembrar que Luigi entregou a Piffero o Inter na Libertadores e de estádio remodelado. As urnas mostraram que essa foi uma das leituras do torcedor.
Boa parte dos eleitos do Inove trabalharam com Luigi. Sem Max Carlomagno e Diana Oliveira, a reforma do Beira-Rio não sairia. Luis Cesar Souto Moura e Luciano Davi passaram pelo futebol. A chapa abrigou ainda Roberto Siegmann, que volta após sua chapa não passar pela cláusula de barreira em 2014.
Há alguns dias, conversei com Medeiros sobre essa nova oposição, de discurso forte, sem as sombras de Piffero e de Carvalho – ao menos por enquanto. Ele (sua bancada terá cerca de 110 conselheiros entre 300) me disse que terá de estabelecer novas relações. Usei o Povo do Clube, de notável votação, como exemplo.
– Será oposição ferrenha, não é?
– Será? – ele devolveu.
Dei corda, é claro:
– Imagino que sim. Ou não?
– Eles têm bandeiras, como criar setores populares no Beira-Rio. É algo legítimo. Quero conversar com todos, sem exceção. Estou disposto a repetir muitas vezes uma frase daqui por diante: “Vamos conversar?”