Temo que esteja deixando de gostar de romances policiais. Isso me preocupa, porque ler um bom romance policial sempre foi um descanso para a minha pequena mente. Precisava dar uma espairecida? Pegava um Raymond Chandler, um Dashiell Hammett, um James Ellroy ou um Ed McBain e me regalava. Tenho coleções de literatura noir e as prezo como se fossem o que as pessoas chamam hoje de “pets”. Eu as levaria para passear e limparia seu cocô, se elas pedissem.
Aliás, sempre que vejo alguém limpando o cocô do cachorro na calçada, me pergunto: “Quem é o chefe? O que faz cocô ou o que limpa o cocô?”
Isso significa que eu seria subalterno das minhas coleções de romance noir. Mas essa situação está mudando. Há livros policiais que me impacientam. Leio cento e poucas páginas e largo, pensando: tenho mais o que fazer.
Agora mesmo, vi, na livraria do Ivan Pinheiro Machado, um romance do suíço Joël Dicker. O Desaparecimento de Stephanie Mailer, é o título. Perguntei ao Ivan se ele já tinha lido, ele respondeu que não.
– Mas esse cara é considerado um fenômeno – acrescentou.
É verdade. Joël Dicker vendeu milhões (não falei milhares, falei milhões) de romances na Europa. Ele desfruta de bom prestígio entre os admiradores de romances policiais. Além disso, o nome do autor tem trema. Sou um ressentido do banimento do trema da língua portuguesa. O uso do trema confere charme a um idioma. Ele se torna mais requintado, até mais misterioso. Sem trema, a linguiça nunca mais foi a mesma. Parei de fazer arroz de china pobre depois que a linguiça perdeu seu trema.
A propósito: esse “parei” do verbo “parar”, no sentido de “cessar”, sofreu uma das mudanças que mais me magoaram na reforma ortográfica cometida pela Academia Brasileira de Letras. Porque o “para” na acepção de “detenha-se”, perdeu o acento e, perdendo o acento, perdeu a força. Esse “para” é uma ordem, é impositivo, é urgente, tem três exclamações:
– PÁRA!!!
Precisa do acento. Ou fica frouxo:
– Para.
Não faço mais arroz com linguiça sem trema, não escrevo mais para do verbo parar.
Mas o nome do autor de O Desaparecimento de Stephanie Mailer tinha um elegante trema e ele é amado na Europa. Comprei o livro. É um alentado volume de quase 600 páginas. Calculei: terei pelo menos duas semanas de diversão.
No entanto, entrei no livro e comecei a ficar decepcionado. Era tudo tão ingênuo, tudo tão puro, tudo tão... suíço. Mesmo assim, fui em frente. Avancei mais ou menos até a página 350 e então me detive. Disse para mim mesmo:
– Pára!
E foi um para com acento e exclamação, porque foi forte. É que, àquela altura da trama (não do trema), já havia identificado todos os truques do autor, e me desinteressei pelo livro. Estava decidido a largá-lo, mas, em deferência ao trema (não trama) de Joël, continuei até o fim, só que lendo em alta velocidade, numa leitura dinâmica, até engolir o ponto final com alívio. Foi uma história boba, e me senti bobo por ter dado atenção a ela. Pois agora, em época de Feira do Livro, é o que me inquieta: será que estou deixando de ser um leitor de romances noir? Que diversão estou perdendo. Que momentos de lazer não terei mais.