Tudo na realidade de hoje, a pandemia que submeteu a Humanidade, a necessidade de ficar isolado, o estranho governo brasileiro, tudo faz com que sinta estar vivendo em um sonho. Na verdade, em um pesadelo. E, entre as realidades irreais da atualidade, poucas são mais inacreditáveis do que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lava-Jato no caso do julgamento de Lula.
Entenda: não estou entre os que torcem para que Lula seja preso de novo. Não o odeio, como tantos. Mas também não quero que ele se eleja presidente do Brasil. Não estou analisando, pois, o mérito do julgamento. Não estou cogitando se os tribunais acertaram ou erraram em condená-lo. Estou falando apenas da decisão do STF.
A Lava-Jato começou em 2014. Há sete anos, portanto. Essa operação mudou o Brasil profundamente. Mudou, também, os destinos de milhares de pessoas, de dezenas de empresas, de partidos políticos e de outras tantas instituições. Lula foi julgado em primeira instância e condenado. Julgado em segunda e condenado. Julgado em terceira e condenado. Preso, passou dois anos encarcerado. Houve festa e comoção no Brasil. Houve surpresa no mundo.
Então, depois disso tudo, as condenações de Lula foram anuladas pelo STF, mas não porque estivessem erradas, não porque provas tivessem sido inventadas, não porque mentiras de testemunhas fossem descobertas. As condenações foram anuladas porque o STF resolveu que Lula foi julgado no tribunal errado. Uma questão geográfica: não tinha de ter sido em Curitiba, tinha de ter sido em Brasília.
Se o tribunal de Curitiba não podia julgar, por que não falaram antes? Deixaram que tudo isso acontecesse por anos, para agora dizer que nada valeu? Que tudo terá de ser feito de novo?
Tenho amigos juízes, desembargadores, promotores, advogados. Sei como são sérios. Sei como o sistema judicial brasileiro é avançado e moderno. Mas tem seus equívocos. O principal deles é o excesso de funções do STF. Quem reclama disso são os próprios ministros, não eu. Em comparação com a Suprema Corte americana, o STF é uma espécie de armarinho onde se encontra de tudo, desde o sujeito que foi preso por roubar um pacote de bolacha até as atribuições do governo federal no combate à covid. Todo mundo pode apelar ao STF, e apela. Se um deputado está insatisfeito com uma deliberação do governo federal, procura o STF. Assim, o STF governa indiretamente o Brasil.
No caso da Lava-Jato as decisões foram de natureza pessoal. Fachin queria defender a operação. Gilmar Mendes queria destruí-la. O que a lei diz pouco importou, no debate. Mas, para o cidadão comum, como eu, a discussão legal é até secundária. O que mais espanta é a afronta ao bom senso. Donde, a sensação de que tudo é irreal, no Brasil. Quando acordaremos desse pesadelo?