A lógica do vírus é a lógica do amor, esse fogo que, como poetava Camões, arde sem se ver. Pois no momento de maior ardor e ardência dessa chama, o momento da paixão, os amantes são instados à entrega completa, irrestrita, sem limites e sem vergonha. Para citar outro poeta, Jonny Cash, os amantes querem ser um, ainda que não sejam os mesmos. E é aí que pulsa o pulso: depois todos os mistérios serem desvendados, desvenda-se também a fórmula da magia. E assim, desnudado, o amor se vai e a dor que o amante sente não é a que desatina sem doer: ela desatina e dói.
Eis o dilema: como se entregar, como pede a paixão, sem extinguir as pequenas inseguranças e anseios que geram a paixão?
Assim é o vírus. Uma comunidade se fecha para evitar o contágio. Só reabrirá, mesmo que parcialmente, depois de passar o pico da contaminação. Mas, estando fechada, o pico contaminação não vem, é sempre adiado. Como haverá a reabertura, se não se atinge a condição necessária para reabrir?
Precisamente o que acontece no Rio Grande do Sul: qualquer abertura, é óbvio, aumentará o número de infectados. Se o número de infectados aumenta, fecha-se de novo. Para outra vez se abrir, e outra vez o número de infecções aumentar, e outra vez se fechar.
Alegam, os governantes, que estão baseados em critérios científicos. Será? Eles fizeram diligência para saber, por exemplo, onde estão os focos de contaminação? Sabem onde e como cada paciente internado se contaminou?
O doutor Dráuzio Varella, em entrevista ao Timeline, nesta segunda-feira, disse que o maior foco de contaminação, nos Estados Unidos, está nos presídios.
Nos presídios???
Quem pode estar mais isolado do que um presidiário americano? Se um preso, que está no maior lockdown possível, é infectado pelo coronavírus, por que um profissional liberal, que trabalha em home office, no recôndito do lar, não pode ser infectado também?
Ainda sobre a exatidão das informações, Dráuzio Varella disse o que todos já sabiam: que elas são fundamentais para que os gestores tomem decisões claras sobre o que pode ou não abrir. E que, entre essas informações, as mais importantes seriam fornecidas por altos índices de testagem. Mas o movimento em direção à testagem foi muito tímido. Não houve mobilização da comunidade neste sentido.
Não estou dizendo que os governantes sejam mal-intencionados ou incompetentes. Estou dizendo que nem todas as suas medidas são perfeitas e que elas podem ser questionadas.
Ocorre que, hoje, quaisquer medidas restritivas são aplaudidas enfaticamente por parte da comunidade, porque se estabeleceu uma falsa dicotomia no Brasil: de um lado estão os bolsonaristas, negacionistas, irresponsáveis, inimigos da ciência, que defendem a abertura geral; do outro estão os responsáveis, os que prezam pela vida humana, que colocam a saúde acima da economia e que se baseiam em dados estritamente técnicos.
Você pode enxergar essa dicotomia pelo ponto de vista dos governistas. Desta forma: de um lado estão os interessados no quanto pior, melhor, os sabotadores do Brasil, os que querem ver o circo pegar fogo; do outro estão os que se importam com as dores causadas pela miséria, os que se comovem com o drama dos empresários falidos e dos trabalhadores sem emprego; os que compreendem a realidade.
Nenhuma das alternativas acima é a verdadeira.
O problema é mais complexo. O isolamento é necessário. Mas tem de ser bem dosado. Talvez mais especificamente. Talvez caso a caso. O que dá mais trabalho. E mais transtorno. São terríveis os dilemas do vírus. Que saudades dos dilemas do amor.