Foi lindo o Gre-Nal do coronavírus, o Gre-Nal da Libertadores, foi lindo. Ah, teve briga… Melhor ainda! Não que eu defenda a violência, nada disso, sou contra a violência, viu, Maurício Saraiva? Mas sou a favor da entrega, do futebol amador ainda que praticado por nababos, do jogador que se importa com o que está acontecendo e que, de repente, se enfurece. Às vezes, um homem tem de se enfurecer. A ira é um pecado capital, é sempre um erro, mas, em alguns momentos, certos erros precisam ser cometidos.
O Gre-Nal do coronavírus foi um Gre-Nal raiz, não foi um desses joguinhos clericot de meados de campeonato de pontos corridos, em que tudo é modorra e sensabor.
A atuação de Paulo Miranda me lembrou Nivaldo, “O Churrasco”. Nivaldo, “O Churrasco”, jogava no Próspera, de Criciúma, na mesma época de Laerte, “O Urso”. Ambos eram expoentes daquele time. De Laerte, “O Urso”, já falei muito. Você sabe: era melhor do que Ronaldo, melhor do que Romário, melhor do que Van Basten, só não fulgurava na Seleção porque não conseguia jogar bem fora de Criciúma. Se saísse da sua terra, Laerte, “O Urso”, se deprimia, murchava e chutava na trave.
Já Nivaldo, “O Churrasco”, era zagueiro. Melhor: “beque”. Sim, Nivaldo jogava de beque. Chamavam-no assim, “O Churrasco”, devido ao que estava habituado a fazer com os atacantes inimigos. Nivaldo os assava, picava e servia em uma bandeja.
Alguém poderia achar que ele fosse violento. Se achasse, esse alguém estaria certo. Nivaldo era violento. Mas, de certa forma, podia ser considerado um violento promovedor da paz. Porque com ele não tinha briga. Se visse um bolinho, como aquele que se formou no Gre-Nal do coronavírus, bastava Nivaldo, “O Churrasco”, chegar para espalhar brigão para tudo que é lado.
Um dia, o lateral-direito do adversário, não recordo bem o time, acho que o Marcílio Dias ou o Hercílio Luz, esse lateral deu uma botinada no pontinha do Próspera e Nivaldo, “O Churrasco”, veio lá da área e lhe aplicou um telefone. Você sabe como é o telefone? O cara bate com as duas mãos nas duas orelhas do oponente, ao mesmo tempo, PLÁ! Quem leva fica ouvindo o sinal de ocupado dentro da cabeça por cinco minutos. Pois o lateral esse levou o telefone e saiu em zigue-zague campo afora, como se estivesse bêbado, indo pechar num poste do alambrado.
A propósito, o pontinha que foi defendido por Nivaldo, “O Churrasco”, era um japonês. Naquele tempo, todo mundo achava estranho japonês jogar bola. Japonês fazia pastel, fazia radinho de pilha, fazia trem, fazia robô. Futebol não devia ser coisa de japonês. Então o japonês do Próspera se converteu numa atração. As pessoas gostavam de vê-lo em campo, mesmo que ele não fosse muito bom. Iam ao estádio e gritavam:
– Vai, japonês!
Eu também ia ao campo do Próspera, o Mário Balsini, estadiozinho com arquibancada de madeira, com gramado duro, frequentado pelos mineiros de carvão. Achava bonito ver o empenho dos jogadores. Sabia que eles ganhavam pouco, que até as bolas do treino eram contadas, porque não havia muitas e custavam caro, sabia que eles eram quase amadores, mas era justamente isso que me encantava. Aquela dedicação era autêntica, era de quem não joga apenas pelo que recebe no dia 5, era de quem se devota ao que faz.
O Gre-Nal do coronavírus foi assim. Não foi um jogo de quem aluga seu futebol pelo maior preço. Foi um jogo de quem joga por amor. Quem diria? Uma briga daquelas aconteceu por amor.