Disse no Timeline desta quarta-feira, e repeti no Sala de Redação, que a história do porteiro do condomínio de Bolsonaro era estranha e que, provavelmente, tratava-se de armação contra o presidente da República. Estava certo, como se vê. O Ministério Público revelou que ele mentiu no depoimento.
Tenho de destacar meus acertos, porque, quando erro, 1 milhão vêm me cutucar e me chamar de coisas rastejantes e pouco higiênicas.
Cheguei a essa conclusão devido à lógica torta da narrativa do porteiro: por que o bandido informaria que ia numa casa, se queria ir noutra? O que ele ganharia com isso? Além do mais, ele frequentava a casa do seu parceiro de crime, por que agora tentaria “disfarçar”?
É óbvio que alguém quis comprometer Bolsonaro. Para descobrir quem foi, não adianta olhar para os que se beneficiariam com a queda do presidente — seriam muitos. Melhor procurar entre os que tinham mais acesso e poder de pressão sobre o porteiro.
Era justa, portanto, a indignação de Bolsonaro quando ele fez aquele vídeo na madrugada da Arábia Saudita. Injusta foi a sua raiva contra a imprensa, em especial contra a Rede Globo. Se um jornalista sabe que foi prestado à polícia um depoimento que cita o presidente da República num caso rumoroso como o do assassinato de Marielle, ele tem obrigação de fazer matéria a respeito. Se não fizer, o jornalista trai a confiança do público, que pode muito bem questionar, com indignação: “Você sabia e não divulgou???”.
A Rede Globo divulgou e fez mais: acionou seus repórteres de Brasília e forneceu álibi a Bolsonaro, provando que, no dia mencionado pelo porteiro, ele, Bolsonaro, estava na Câmara dos Deputados, a quase 1.200 quilômetros de distância do Rio.
O que a Globo devia fazer, no entender de Bolsonaro? Omitir a matéria? Esconder uma informação de tal relevância de seu público?
É claro que não. A Globo agiu com correção. Bolsonaro é que se exaltou além da racionalidade em seu pronunciamento, chegando a fazer uma ameaça pouco sutil de que não renovará a concessão da Globo em 2022. Ora, não é o governo que faz concessões; é o Estado. Há leis que regem essa atividade e Bolsonaro tem de se submeter a elas.
Todos os presidentes do Brasil criticaram a imprensa, absolutamente todos, mas são dois os mais veementes: Bolsonaro e Lula.
Lula foi capaz de dizer que o maior erro de seu governo teria sido não promover a regulação da imprensa, que, qualquer um sabe, é eufemismo para censura. E, há seis anos, antes mesmo da Lava-Jato, declarou, da tribuna do Senado, que a imprensa “avacalha a política” e que quem faz isso “propõe a ditadura”. Para Lula, não são os políticos que avacalham a política: é a imprensa!
Não é por acaso que os dois se comportam assim. São dois populistas, e populistas têm de cultivar inimigos para se justificar. Cada vez mais, Lula e Bolsonaro andam de mãos dadas. Eles realmente se odeiam, eles realmente são inimigos e realmente são muito diferentes. Mas precisam um do outro para existir.