É óbvio que as mensagens reveladas pelo site The Intercept são verdadeiras.
É óbvio que Moro tinha atuação coordenada com o Ministério Público.
Por que Moro fazia isso?
Também é óbvio: ele queria desmontar o sistema de corrupção formado entre políticos e empreiteiros e colocar os culpados na cadeia. Por essa razão, era imprescindível chegar a Lula ANTES da eleição. Porque, se Lula se elegesse outra vez, a Lava-Jato, óbvio, seria soterrada para sempre.
Foi nesse momento que a força-tarefa deparou com um impasse: o caso do sítio de Atibaia era muito mais robusto do que o do triplex, as provas eram irrefutáveis, mas essa apuração só terminaria DEPOIS da eleição. Moro vacilou: será que havia provas cabais em relação ao triplex? O Ministério Público afiançou que sim e o caso foi a julgamento. Tudo bem concertado com cê.
Lula não foi condenado injustamente. Ninguém, na Lava-Jato, o foi. Mas houve, sim, quase que um consórcio entre juiz e acusação.
Moro não fez o que fez por motivações políticas; fez porque queria promover a justiça. Ou seja: foi mais justiceiro do que juiz. Promoveu justiça? Parece que sim. Mas arranhou a lei.
Você pode perdoar esse pecado alegando que o objetivo de punir a corrupção era maior, mas lembre-se de que os petistas perdoam os pecados de Lula alegando que seu presumido objetivo, de ajudar os pobres, também era maior. Você ainda pode dizer que Lula cometeu crimes, enquanto Moro combateu crimes. Bom argumento, mas o óbvio continua sendo o óbvio: Moro extrapolou o limite de suas atribuições.
Quanto ao site The Intercept e tantos outros do gênero, eles praticam um tipo de jornalismo bastante questionável: o jornalismo ativista. No caso das mensagens hackeadas, por exemplo, há 1 milhão delas, segundo consta. Mas só um punhado veio a público, cada qual escolhida com critério, revelada semanalmente, com o objetivo de constranger Moro e Dallagnol e de lhes desgastar a imagem. E as mensagens que são favoráveis a eles? Certamente há muitas, mas não são publicadas porque existe segunda intenção na divulgação: uma intenção política.
Mesmo assim, é preciso deixar claro que o Intercept não comete ilegalidade alguma ao divulgar as mensagens. A publicação só seria ilegal se o site houvesse contratado de alguma forma o serviço dos hackers, o que, as investigações indicam, não aconteceu. Logo, as ameaças de Bolsonaro a Glenn Greenwald atentam, sim, contra a liberdade de imprensa, e há razão para a ABI protestar, como fez na terça à noite.
O curioso é que Bolsonaro, ao investir contra Greenwald, o fortalece. Transforma-o em vítima. Essa ressalva, de que Greenwald faz jornalismo engajado, torna-se irrelevante diante da perseguição que um jornalista sofre de um chefe de Estado.
Quem quer saber de ponderação? Quem admite o óbvio, quando o óbvio é a favor do outro?
O jornalismo ativista, assim, se engrandece. Até porque esse gênero de jornalismo caiu no gosto do público. É como se fosse uma volta ao século 19, quando havia jornais como A Federação, que era o veículo do Partido Republicano Rio-Grandense. A Federação fechou com o advento do Estado Novo, em 1937, mas hoje, tantas décadas depois, é isso que as pessoas pedem. Elas não procuram mais nem a intenção de isenção, elas querem a assunção de um lado, elas querem ler notícias a favor de quem elas gostam e contra quem elas não gostam.
Se você reler o que escrevi neste texto e os demais que publiquei nesta semana, verá que fiz ressalvas acerca de todos os personagens abordados, Lula, Bolsonaro, Moro e Greenwald. Tentei compreender o que se deu com eles. Mas e daí? Quem quer saber de ponderação? Quem admite o óbvio, quando o óbvio é a favor do outro? Pouco importam as razões do outro, pouco importa qualquer consideração, o que importa é o grupo com o qual as pessoas simpatizam. Elas são como os terraplanistas, que acreditam que o mundo gira como um disco. E gira mesmo: no sentido das trevas.