A novidade é que Bolsonaro quer que as pessoas façam cocô só uma vez a cada dois dias, a fim de preservar o meio ambiente. Já esperava ter de me conformar com algum sacrifício devido ao novo governo, mas pensei que se limitaria a me aposentar mais tarde por causa da reforma da Previdência, trabalhar mais por causa da crise, coisas assim. Esse novo contingenciamento, sei lá, me parece demasiado.
Bolsonaro tinha de compreender que intestinos seguem suas próprias regras. Para eles, pouco importam as taxas de juros, o governo do PT, o desmatamento da Amazônia. Quando mandam, há de se obedecer. O chamado da natureza é incontornável.
Além disso, evacuar ou, como diria a minha avó, “ir aos pés” é fundamental para a boa saúde. Um intestino mal regulado pode causar tragédias.
Maximilien Robespierre é um exemplo clássico do que falo. Ele foi um dos líderes da Revolução Francesa, e foi terrível: comandou o “Terror” e tornou-se responsável por execuções e massacres à mancheia. Chamavam-no “o incorruptível verde-mar”. Muitos acreditaram que esse “verde-mar” se devia à cor de seus olhos. Não: era uma referência à cor da sua pele, sempre esverdeada por conta das constipações que sofria. O ventre preso de Robespierre prendia-lhe também a cara. Ele era como um verdadeiro zagueiro-central: nunca ria. Estava sempre de péssimo humor, o que, é provável, contribuiu para que milhares de cabeças francesas tenham sido separadas de seus corpos na guilhotina.
“Ir aos pés”, portanto, é um ato que favorece a qualidade da pele, a leveza do espírito e a concórdia humana.
“Ir aos pés”, portanto, é um ato que favorece a qualidade da pele, a leveza do espírito e a concórdia humana.
Mas é possível que essa intromissão de Bolsonaro em nossos órgãos internos possa ser enfim positiva. Talvez assim os bolsonaristas mais radicais despertem de seu sono ideológico e consigam ver o homem exótico que colocaram na presidência da República. Pronunciar tolices sobre índios, nordestinos, mulheres, gays, imprensa, carnaval, meio ambiente, segurança pública, ditadura, relações internacionais, cinema, normas de trânsito e até o cúmulo inimaginável de defender a tortura não foram o suficiente, mas a tentativa de regular nossos movimentos peristálticos certamente abalará os tios do pavê do Rio Grande ao Acre.
Isso inclusive nos projeta para um plano histórico superior. Gostaria que Edmund Wilson testemunhasse esse momento de glória, para bem retratá-lo. Edmund Wilson, você deve saber, foi um dos maiores jornalistas da História, autor de um clássico extraordinário: Rumo à Estação Finlândia. Quando estive em São Petesburgo, fiz questão de ir até essa estação de trens para render uma homenagem silenciosa ao grande Edmund Wilson. Em Rumo à Estação Finlândia ele traça a história do socialismo desde os primórdios carbonários italianos até a chegada de Lênin à (óbvio) Estação Finlândia, em 1917. Se ainda estivesse vivo, Edmund Wilson teria de reescrever o final de seu livro e acrescentar o naco curioso da história do Brasil contemporâneo. Porque, hoje, entendemos que a Revolução não se dará pela união dos proletários do mundo, como preconizou Marx. Não. Se dará no recôndito do banheiro, durante aquele ato que é o mais solitário e íntimo do ser humano, o ato que pode servir para atualizar a leitura, para consultar as redes no celular ou somente para reflexão, o ato que nossos antepassados chamavam, não por acaso, de “obrar”. Você mesmo pode fazê-lo. Faça-o com gosto, como uma espécie de desobediência civil, como uma resistência pacífica à tirania. Faça cocô todos os dias, e faça a revolução.