Às vezes penso em escrever algo e sei que, se o fizer, a maioria das pessoas não vai entender. No dia seguinte, vão me insultar, vão reclamar, vai ser uma chatice. Então, faço o seguinte: respiro fundo… conto até dez… e… escrevo. Não é sensato, sei, mas é mais forte do que eu. Há crônicas que imploram pela liberdade da publicação.
Hoje mesmo, em função da data, tem uma coisa que preciso escrever: quero dizer que o MDB é o partido mais importante da história do Brasil. E mais: é importante por boas razões, não pelas más.
Quando assinalei “em função da data” é porque hoje estamos no 4 de julho, o dia da independência americana.
Os americanos tiveram muita sorte. Os homens que construíram sua independência, uniram as colônias em um só Estado e redigiram sua primeira e única Constituição eram excepcionais. Eles são chamados, até hoje, de “pais fundadores” dos Estados Unidos. Entre as principais lideranças estavam John e Samuel Adams, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e George Washington. Seria como juntar, no mesmo time, Pelé, Tostão, Rivellino, Gérson e Jairzinho, o que é impossível.
Esses “pais fundadores” fizeram mais do que separar as colônias da Inglaterra. Eles construíram um sistema filosófico pelo qual os Estados Unidos se guiam até hoje. Para resumir a filosofia americana, diria que esta nação garante a liberdade do indivíduo, desde que ele esteja dentro dos limites estritos da lei.
As engrenagens que fazem a máquina da democracia americana funcionar estão todas bem encaixadas, cada peça tem a sua função e o seu sentido. Muitas vezes, pessoas até bastante ilustradas não conseguem compreender o que significa essa ou aquela instituição, mas, como tudo dá certo, ninguém ousa mudar as regras estabelecidas por aqueles primevos pensadores políticos.
Fazendo uma má comparação, mas ainda assim fazendo, alguns dos fundadores do MDB se pautavam por traços dessa filosofia democrática americana. Homens como Ulysses Guimarães, Ibsen Pinheiro, Pedro Simon, Mário Covas, Tancredo Neves, Teotônio e Arraes prezavam a democracia representativa e compreendiam seu funcionamento.
O Brasil da Constituição de 1988 é um país perfeito. Ou seja: não é o Brasil.
É verdade que eles cometeram erros na Constituição de 1988, mas foram excessos de civismo. Estavam de tal forma tomados pelos ideais da democracia representativa, que se aproximaram mais da utopia do que da realidade. O Brasil da Constituição de 1988 é um país perfeito. Ou seja: não é o Brasil.
É nesse conceito que citei agora, “democracia representativa”, é nesse conceito que está a grande contribuição do velho MDB. Não o MDB velhaco, corrupto, achacador, de Cunha, Renan e outros que tais, e sim o MDB da engenharia institucional, da ideia de que uma nação se faz pela sociedade consciente, e não pela liderança iluminada.
O que aconteceu com o MDB para se transformar nessa geleca disforme sem coerência ideológica?
Foram dois os problemas. Em primeiro lugar, o MDB foi vitimado pelo próprio gigantismo. O MDB era toda a oposição que havia e seu princípio mais importante era, quase que tão somente, defender a democracia representativa, algo muito vago, muito abrangente. Quer dizer: todo mundo que podia ter voto entrava no MDB, e nem sempre quem tem voto sabe o que fazer depois de ser votado.
Em segundo lugar, surgiu, no Brasil, um partido muito mais orgânico e muito mais específico em seus objetivos: o PT.
O PT nunca foi um entusiasta da democracia representativa, mas foi através dela que se consagrou e assentou-se no poder. E, uma vez assentado no poder, aproveitou-se exatamente do fisiologismo do grande e flácido MDB para se consolidar.
Hoje, o MDB é só uma sigla. Não tem propostas. Não tem ideias. Mas esse partido foi o fiador da democracia representativa brasileira. Pode brigar comigo. Mas é a verdade.