Rudyard Kipling foi um inglês que escreveu coisas muito bonitas, entre elas Se, um poema que talvez seja o mais emocionante da história da literatura. Cada verso era um conselho de vida para seu filho de 12 anos de idade. Mas o menino talvez não tenha podido aproveitar a sabedoria do pai – seis anos depois, ele morreu na Primeira Guerra Mundial.
Kipling começa a poesia assim:
“Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso…”.
Assim se segue, lindo, lindo, até o final impactante. Procure no Google, que o Google tudo tem.
Hoje, Kipling é mais conhecido por ter sido o autor de O Livro da Selva, que conta a história de Mogli, o menino-lobo. Mas ele fez muito mais, tendo, inclusive, recebido o Prêmio Nobel de Literatura.
Porém, houve quem o criticasse, e quem o critica ainda. É que uma parte da produção de Kipling, se for analisada debaixo de conceitos modernos, parecerá repugnantemente racista. Ele era um defensor do império britânico como uma espécie de instrumento civilizador da Humanidade. Quando o império começou a mostrar sinais de decadência, que acabaria em decrepitude ao fim da Segunda Guerra Mundial, Kipling escreveu uma poesia instando para que os Estados Unidos assumissem a tarefa civilizatória:
“Toma o fardo do homem branco
Envia os melhores que criaste
Vai, condena teus filhos a, no exílio,
Atender às necessidades de teus cativos
A servir, com pesado arreio,
Um inquieto povo, e selvagem
Teus recém-conquistados povos escuros
Metade demônio, metade criança
Assume o fardo do homem branco
E colhe a recompensa de sempre:
A censura dos que melhoras
O ódio dos que proteges”.
O fardo do homem branco! Mesmo sendo um homem sensível e inteligente, Kipling acreditava nesse conceito que, hoje, seria classificado como asqueroso.
Nem todos os homens de gênio conseguem ultrapassar as fronteiras de seu tempo. Ou, se ultrapassam algumas, em outras se detêm com gosto. Kipling era apaixonado pela crença de que o império britânico era uma ferramenta iluminista, como alguns intelectuais de hoje são apaixonados pela crença de que populistas (de esquerda ou de direita) são capazes de resolver os problemas de uma nação.
Mas numa ideia ele estava certo: os Estados Unidos tomaram o lugar da Inglaterra. Mas não como imperialismo nominal, por meio de conquistas territoriais, e sim pelo poder do comércio e da cultura.
O cinema faz pelos Estados Unidos o que a metralhadora Maxim fez pela Inglaterra. Era aonde queria chegar desde o início. Porque assisti, neste fim de semana, a Toy Story 4. Já vi os outros três filmes da série e gostei de todos. Do quarto também. E não assisti casualmente, porque meu filho queria ir. Nada disso. A Marcinha disse:
– Eu vou com o Bernardo ao cinema se tu preferir fazer outra coisa.
– Imagina! – respondi. – Capaz que vou perder Toy Story!
Fomos os três. E foi ótimo. Saí do cinema mais leve do que quando entrei, me perguntando: “Como é que eles conseguem?”. Um filme desses, como tudo o que a Disney faz, trabalha só com a imaginação, e de mais não precisa. Nós é que estamos precisando de mais fantasia, nesse mundo árido das opiniões definitivas.
Há boas bobagens na vida, há piadas que são apenas piadas. Pode rir sem culpa. A realidade continuará lá e o sonho só vai tornar mais ágil o pensamento. Como disse Kipling a seu filho:
“Se és capaz de pensar – sem que a só isso te atires,
De sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores…
(…)
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais – tu serás um homem,
meu filho!”.