Nem a vida do leão é fácil, não se engane. Você pensa: ah, ele é o leão, o rei, está no topo da cadeia alimentar, tem aquela juba, ninguém ousa incomodá-lo. Mas não é bem assim.
Outro dia, vi um documentário sobre leões. Gosto de documentários a respeito de bichos, mas não todos. Os suricatos eu desprezo. Pouco me importa se é politicamente incorreto antipatizar com suricatos, não fingirei: estou me lixando para o destino deles. Não desejo o mal dos suricatos, também não é isso. Só não me convide para assistir a filmes em que eles são as estrelas.
Pronto. Falei.
Já dos filmes de leões gosto. Esse que vi contava a história de um grupo de seis leões que se juntaram para dominar uma região da savana africana. Seis leões unidos jamais serão vencidos. A não ser que se desunam, e foi o que aconteceu. Dois dos leões, os maiores do bando, brigaram com os outros quatro e se mudaram para um território contíguo.
Esses dois irmãos eram grandes e bons de briga. Enfrentavam (e devoravam) qualquer ser vivo que invadisse seu território, com exceção, é claro, de suas muitas gatíssimas leoas. E assim, soberanos e invencíveis, eles viveram em paz durante dois anos.
Um dia, porém, uma coalizão de nada menos do que cinco leões estrangeiros entrou em seu território pelo Sul. Eram cinco contra dois. Mas os irmãos nunca tinham sido derrotados, eles estavam acostumados a lutar. Traçaram uma estratégia: isolaram um dos cinco invasores e o atacaram. Mataram-no a dentadas. No entanto, ainda restavam quatro inimigos, que perseguiram os dois irmãos com furiosa insistência. Esperaram até que se separassem, o que acabou acontecendo. Então, pularam em cima do irmão mais novo. O bravo leão levou uma mordida tão violenta nos quartos traseiros que lhe rompeu algum nervo e ele ficou imobilizado. Não tinha mais como se defender. Morreria.
Nesse momento, o irmão mais velho surgiu das sombras. Atacou bravamente os quatro desafiantes, que, por um instante, se apartaram, assustados. Mas logo se reagruparam e investiram com todos os seus dentes e garras. O irmão mais velho percebeu que seria derrotado e fugiu, teve de fugir. O mais novo ficou abandonado à própria sorte. Os quatro valentões, então, o cercaram. Enquanto um o distraía pela frente, outro o dilacerava pelas costas. O local preferido das dentadas eram os testículos. Nosso bom leão rugia e rosnava e tentava combater, mas era inútil. De repente, os quatro paravam. Descansavam por 15 minutos, enquanto o leão arfava em desespero. Aí, recompostos, voltavam, repetiam o ataque. E de novo e de novo e de novo, a noite inteira. A certa altura, ouviu-se um barulho forte, um estalo que parecia um tiro seco de arma de pressão: era a espinha do pobre leão que havia sido quebrada de um golpe. Mas ele continuava vivo e vivo ficou até o amanhecer, quando enfim os quatro monstros o deixaram expirar.
Mas nós, com a ciência que salva vidas de homens e bichos, com nossa consciência, que preserva praias e florestas, nós, com nosso sentimento e nosso pensamento, também podemos ser bons.
Eu assistia a tudo isso de olhos arregalados. Se estivesse vendo O Exorcista, não ficaria mais impressionado.
Por que nosso amigo leão sofreu tanto? Ele não merecia. Afinal, um leão não é bom nem mau, ele é apenas um leão. Ele faz o que os leões têm de fazer, sem nenhum sentido moral. Nós, humanos, é que ultrapassamos essa neutralidade da natureza. E, sim, admitamos, muitas vezes somos malignos, nós, com a fumaça de nossos carros, com nossas armas de matar, com o nosso lixo tóxico e com nossos tóxicos que nos transformam em lixo, nós podemos ser maus, ao contrário de um leão. Mas nós, com a ciência que salva vidas de homens e bichos, com nossa consciência, que preserva praias e florestas, nós, com nosso sentimento e nosso pensamento, também podemos ser bons. É uma razão para ter esperança. Porque, às vezes, inacreditavelmente, nós podemos até melhorar a natureza.