Primavera, aqui, é coisa séria. Quem vive nos trópicos não faz ideia do quanto. Tente imaginar: você já passou por seis meses de frio. Durante parte desse tempo, o dia terminava às quatro e meia da tarde. Sabe o que é isso? Às 16h30min, está escuro. Quando o Bonner dá boa noite, é como se fossem três da madrugada, você quer se homiziar no aconchego dos cobertores.
Mas, um dia, a primavera chega. Ela vem devagar e, de repente, explode. E as árvores estão cobertas de novo com folhas, os gramados estão verdejantes, há flores por todo lado e o sol continua no céu até as 20h. É verdade que, no começo de maio, a temperatura ainda oscila entre os quatro e os 10 graus Celsius, o que talvez lhe pareça frio, mas não é. Acredite: não é.
Então, ontem de manhã, enquanto caminhava com meu filho em direção à escola dele, olhava para o colorido das ruas, ouvia o chilrear dos passarinhos, cantarolava É Primavera, que o Cassiano fez para o grande Tim, e pensava que o verão não merece todo o prestígio que tem. Primavera e outono, discretos, ponderados, suaves como beijo de mãe, são muito mais agradáveis. O que lhes falta é marketing.
Tudo, na verdade, é marketing. Chico e Caetano são monstros? São. Claro que são. Mas Belchior e Paulinho da Viola não lhes ficam atrás em musicalidade e poesia. Todo mundo fala de Philip Roth, mas ninguém destaca a capacidade de envolver o leitor de um Ed McBain. Você já leu Ed McBain? Não? Pois repetirei a ordem que o arcanjo Gabriel deu ao profeta Maomé em uma caverna no deserto:
– Leia!
E a sardinha? As pessoas se refocilam com atum, as pessoas pedem salmão nos restaurantes, mas a sardinha é desprezada. Você diz que vai fazer massa com sardinha, um dos pratos preferidos do meu amigo Admar Barreto, e as pessoas torcem o nariz.
Sabe o que é isso?
Ignorância.
Preconceito.
Vá para Portugal e se espante ao constatar que, lá, na Pátria-Mãe, a sardinha tem tanta moral quanto o bacalhau (rimou!). Os portugueses amam a sardinha, vão a restaurantes especializados em sardinha e, literalmente, cantam as delícias da sardinha. Amália Rodrigues, a maior cantora de fado da história do mundo de todos os tempos, um dia entoou
“De uma sardinha fresquinha
Diga-me lá quem não gosta
Salpicadinha, viva da costa
Assim vivinha,
Chegadinha de Cascais
Prateadinha
De comer, chorar por mais
Quem é que não gosta
Quem é que não gosta
De uma sardinha
Salpicadinha da costa”.
Os portugueses comem sardinha com pão e é muito bom (rimou de novo!).
Mas a sardinha não tem marketing. A sardinha é circunspecta. Como certos jogadores de futebol.
Ramiro, pequeno, magricela, egresso de Caxias, Ramiro chegou ao Grêmio em silêncio e, em silêncio, transformou-se em um dos jogadores mais importantes do time multicampeão. Sua saída deixou o Grêmio manco. O meio-campo puxa de uma perna sem ele. Só agora surge um jogador capaz de substituí-lo: Thaciano tem a mesma força, a mesma movimentação, a mesma capacidade de entrega e a mesma agudeza de Ramiro. Será titular? Talvez não: como Ramiro, ele é sóbrio. Sobra-lhe competência, falta-lhe exuberância. Falta-lhe marketing. Marketing é tudo.