Fernando Henrique Cardoso era chamado de "o príncipe dos sociólogos". O Brasil tem afeição por títulos nobiliárquicos, gosto adquirido no nosso longo período monarquista. Se você é poderoso, você é um barão; se é o melhor, como Pelé, é o rei; se tem elegância, é um príncipe.
Nelson Rodrigues chamava o meia Didi, do Botafogo, de Príncipe Etíope, porque Didi era dono de um futebol clássico, jogava de cabeça erguida e se orgulhava de jamais ter pisado em cima da bola.
É uma troca de favores. O empresário compra o político com dinheiro privado e recebe a contrapartida em dinheiro público.
FHC seria, assim, um príncipe na sociologia e na política. E, de fato, ele se comporta principescamente – tem fala mansa, deu aula na Sorbonne, escreve livros acadêmicos, faz pose de analista das nossas mazelas mundanas.
As investigações da Lava-Jato, agora, revelaram um pequeno pedaço da intimidade do príncipe. É um pedaço nada nobre. Na verdade, Fernando Henrique achaca empresários. Os textos dos e-mails que ele enviou para Marcelo Odebrecht são do nível do escroque vulgar, do apontador de jogo do bicho. Uma das correspondências Fernando Henrique encerra observando, com a maior desfaçatez: "Envio abaixo os dados bancários". Poderia ter enviado um boleto, que não seria mais direto. Em outro e-mail, no qual ele também pratica essa espécie de extorsão camarada, o título é: "O de sempre". Quer dizer: Fernando Henrique estava "sempre" mendigando a Marcelo Odebrecht.
Fiquei imaginando o que Marcelo Odebrecht devia dizer para seus assessores quando via piscar em sua caixa postal mais um e-mail do príncipe Fernando Henrique Cardoso:
– Aí vem esse cara outra vez pedir o meu dinheiro...
Se o PSDB tivesse defensores, além do Gilmar Mendes, alguém poderia alegar que isso não é ilegal, até porque Fernando Henrique foi esbulhar Marcelo Odebrecht depois de ter saído do governo.
Não é ilegal?
Deveria ser.
Afinal, por que Marcelo Odebrecht daria dinheiro a Fernando Henrique? Por simpatia ideológica? Se fosse isso, tudo bem, mas não é. Ao contrário, Marcelo Odebrecht deu ainda mais dinheiro ao PT, que é adversário do partido de Fernando Henrique.
Ora, você sabe, eu sei, o Brasil inteiro sabe que Marcelo Odebrecht e outros tantos empresários financiam políticos por aquilo que Brizola e seus bajuladores chamam de "interésses". É uma troca de favores. O empresário compra o político com dinheiro privado e recebe a contrapartida em dinheiro público, geralmente fazendo obras que custam muito mais do que deveriam custar. Em miúdos: o dinheiro que Odebrecht repassou para o príncipe certamente saiu da sua carteira, espoliado leitor.
Algum gaiato perguntará: "E isso tudo te surpreende?".
Respondo: claro que não. Nós todos sabemos, há muito tempo, como funcionam as relações de poder no Brasil. O que não tínhamos ideia era do quanto é escancarada essa promiscuidade entre políticos e empreiteiros, a ponto de um ex-presidente da República mandar por e-mail o número da conta bancária para o empresário fazer a sua "doação". E isso que se trata do professor da Sorbonne, do intelectual, do escritor de livros, do sociólogo. Do príncipe. Francamente, nós não somos mais plebeus. Somos os bobos da corte.