Corria o remoto ano de 1980 quando o escritor argentino Jorge Luis Borges foi entrevistado por Alessandro Porro, da Revista Veja. O mundo era outro. As pessoas usavam mullets. Os jogadores de futebol só calçavam chuteiras pretas. Mas, a folhas tantas, Borges teceu uma consideração que se encaixa perfeitamente na atual situação brasileira. Mais até: era um pensamento que valia na época, vale agora e valerá para sempre.
O repórter perguntou por que Borges demonstrava desdém para com os políticos. O velho escriba, então com 81 anos de idade e cego como Homero, respondeu assim:
Artistas e, sobretudo, jornalistas não devem fazer militância política.
"Não tenho nada a ver com eles. Não gosto deles. Para que eles cheguem a um acordo com seus interlocutores, com aquilo que eles chamam vulgarmente de 'massa' ou 'base', os políticos devem sorrir, mentir, subornar ou aceitar suborno. Em outras palavras, comprometer-se. Um poeta não pode fazer isso, não deve. Ele deve aceitar seu destino como um rei antigo. Sem compromissos. O intelectual deve ter – como eu tenho – suas opiniões. Mas não pode se engajar num movimento, num partido, ao lado de um ou de outro. São poucos os políticos que sabem fazer política, mas, quando um intelectual tenta entrar nesse meio, então é o fim de tudo. Ele complica ainda mais as coisas, e torna-se até um elemento pernicioso para a sociedade, criador de confusão e divulgador de promessas mirabolantes que nunca serão mantidas. Eu sou um poeta, não um ativista".
Eis o que queria dizer. Eis o que sempre digo. Artistas e, sobretudo, jornalistas não devem fazer militância política. Devem ter suas opiniões, podem até admirar determinados políticos, mas jamais se comprometer com eles.
Nós jornalistas temos de ser, por princípio, desconfiados com os políticos.
Políticos, por mais bem-intencionados que sejam, buscam o poder e, nesta busca, valem-se do dinheiro ou da demagogia. Em geral, de ambos.
O processo de falência do PT expôs muitos artistas, muitos jornalistas, muitos intelectuais brasileiros. De repente, ficou claro que eles não se batiam pelo Brasil, nem pela justiça. Eles se batiam pelo seu grupo.
O símbolo desse triste engajamento foi Chico Buarque. Há, nas redes, um vídeo deprimente em que ele autografa um CD que será levado pelos líderes do MST para Maduro, o ditador da Venezuela. Só ver esta cena já foi uma dor. Mas o pior foi o Chico sentado ao lado de Lula, durante o julgamento de Dilma. Chico se pôs atrás de impenetráveis óculos escuros. Nada falava, mal se movia, parecia seco e murcho como um galho desfolhado. Talvez estivesse constrangido. Suponho que sim. Espero que sim. Um artista desse tamanho amasiar-se com políticos é a decadência. Só que sem elegância.
Não é porque eles são do PT. É porque eles são políticos. Chico Buarque, como tantos outros artistas e jornalistas do Brasil, é o anti-Borges. Logo ele, que se tornou grande sendo do contra, apequenou-se virando a favor.