Chico e Rivellino. Chico ciciava, que Chico não canta, cicia:
"Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão".
Dá para imaginar a cena descrita pelo verso: a mulher é tão linda, que derrama poesia só de andar. E, atrás dela, sôfrego e sofredor, o homem que passa os dias a admirá-la colhe suas pegadas para ter um pouco dela quando ela estiver longe.
Bonito.
Bonito também era o jogo de Rivellino.
Lembro de uma partida dele em especial e lembro até do dia, porque era o dia do meu aniversário: 28 de abril de 1976.
Brasil e Uruguai disputavam jogo pela Copa do Atlântico no Maracanã. O Brasil tinha Zico e Rivellino, o Uruguai tinha Corbo e Fernando Morena. Naquele tempo, dir-se-ia (essa é para você, Michel) que Rivellino "esmerilhou". Marcou um golaço e foi o melhor em campo. Humilhou os uruguaios com seu drible elástico e sua mágica de olhar para um lado e passar a bola para outro.
O Brasil vencia com autoridade, portanto, quando, aos 45 do segundo tempo, Zico arrancou da linha divisória, driblou cinco uruguaios numa investida vertical e foi derrubado com violência na entrada da área. Estourou uma confusão e os jogadores trocaram alguns sopapos à sorrelfa (ó, Michel). Marco Antônio, que era bom batedor de falta, chutou e acertou na trave. O juiz encerrou ali a partida. Os jogadores iam saindo de campo no momento em que o lateral Ramirez, um negro retaco e muito forte, saiu correndo atrás de Rivellino com intenções nada amistosas.
Rivellino olhou por cima do ombro e viu aquele leão avançando de dentes rilhados na direção dele. Não teve dúvidas: correu em zigue-zague até alcançar o túnel, mas escorregou e desceu sentado os degraus até sumir na escuridão. Enquanto isso, os outros jogadores do Brasil acorreram e partiram para cima de Ramirez. Que foi acudido por seus companheiros. E foi aquela pancadaria e foi mata-cobra e pernada e rasteira e voadora como poucas vezes se viu num jogo da Seleção.
Eu fazia 14 anos e aquela fuga do Rivellino me deixou um pouco chocado. Não que achasse que ele deveria ser machão e partir para a violência. Não, nada disso. Às vezes, correr da briga é o mais inteligente a se fazer. Às vezes é até o mais corajoso. Mas, naquele contexto, pareceu-me que Rivellino poderia ter reagido com mais serenidade. Esquivar-se do outro decerto que devia, que o outro era mais forte, mas não refugiar-se no vestiário sem nem participar da confusão que se seguiu depois. Afinal, os jogadores brigaram para defendê-lo.
Mais tarde, meus amigos, sabedores da minha admiração pelo Rivellino, ficavam me gozando, repetindo que ele correu do Ramirez, que havia sido covarde e tal. Eu não ligava, mas sentia-me levemente triste pelo Riva. Aquela sua descida a golpes de nádega pela escadaria do vestiário não combinava com o craque que era.
Bem. Agora chego ao Chico. Fiz essa preparação porque há coisas em comum entre ele e Rivellino. Quero escrever sobre o Chico compositor e o Chico político, o Chico poeta e o Chico PT. O Chico é bem esses dois e talvez outros mais. Vou tratar deles amanhã.