Gente comum está pouco ligando para quem é o presidente. Até entrar na faculdade, a maioria das pessoas com quem convivi era assim, dotada de pouquíssimo interesse pela política ou pelo que acontecia no país. O que importava para essas pessoas eram a sua rotina, o seu trabalho, a sua rua e o jogo de domingo. Elas eram a minha avó, que preparava o almoço ouvindo o seu radinho de pilha; os meus amigos, que trabalhavam como office-boys durante a semana e dançavam no Gondoleiros aos sábados; o seu Zequinha, que sonhava em comprar a quitanda que ficava ao lado da sua vendinha, nos baixos da Plínio Brasil Milano.
Ao ingressar na universidade, aí, sim, travei contato com quem não olhava para a vida de forma distraída. Essa interação com pessoas cheias de ideias e de opiniões foi talvez o que mais me valeu naqueles anos – aprendi muito com elas. Mas confesso que, não raro, eu desconfiava que a tal "gente comum" conseguia medir a relevância dos fatos com mais realismo do que os ilustrados da academia. A rotina, o trabalho e a rua pareciam mais importantes do que o presidente. E o jogo de domingo certamente era mais interessante.
De qualquer forma, admirava-me em ver a contundência de meus colegas e professores na crítica à maneira como as coisas eram feitas no Brasil. Os escândalos hoje escancarados, como a promiscuidade entre o poder público e os empreiteiros, além de tantos outros, isso tudo já acontecia. Não era tão sistemático nem tão organizado, mas já acontecia, e todo mundo tinha conhecimento disso. A nossa conclusão, porém, era sempre a mesma: "Os poderosos jamais serão punidos no Brasil". Era o que repetíamos logo que novo escândalo vinha a público: "Não adianta, eles vão fazer o que bem entenderem. A impunidade é o problema desse país".
Continuei ouvindo essa queixa, a respeito dos poderosos intocáveis, em todas as redações em que trabalhei, e trabalhei em muitas redações. Era senso comum que o Brasil só se tornaria uma nação de fato quando acabasse a impunidade.
Bem. Nesta semana, comemoram-se quatro anos da Operação Lava-Jato. Nesse pequeno espaço de tempo, pela primeira vez na história do Brasil, homens ricos e poderosos foram realmente punidos por seus crimes. Até o início desta década, seria impossível imaginar que nababos como Marcelo Odebrecht e Eike Batista fossem presos, e eles foram. O poder econômico, definitivamente, não está acima da lei no país. Não mais. E o poder político começa a ser tocado, porque ninguém é mais poderoso do que Lula no Brasil, e Lula será preso.
A Operação Lava-Jato já mudou essa nação, e o fez corrigindo defeitos que nós conhecíamos. O que eu não conhecia, o que ficou exposto, e muito me decepcionou, foi o que realmente pensavam e sentiam aquelas pessoas ilustradas com quem partilhei momentos na universidade, nos bares e nos jornais.
Fiquei tristemente surpreso com o comportamento delas, entre elas muitos de meus amigos. Porque, para elas, o importante não era o Brasil ou as amizades de que desfrutavam. O importante eram a tese que tinham sobre o Brasil e o grupo político com o qual simpatizavam. Fora desse grupo e dessa tese, nada mais prestava. Pior: pessoas fora do grupo e da tese viram-se atacadas e difamadas por elas. Baixezas promovidas justamente por aqueles que se achavam superiores.
Foram quatro anos de descobrimentos. Que acabaram confirmando algo que eu pressentia lá atrás: gente comum, que está pouco ligando para quem é o presidente, sabe muito mais do mundo do que os iluminados da academia.