Sou um ser humano permanentemente perplexo com os outros seres humanos. As pessoas não cansam de me surpreender. Acho que fazem de propósito.
Quando soube do assassinato da vereadora Marielle, dias atrás, logo pensei: mais um assunto para incendiar as partes opostas desse Brasil dividido. Nisso estava certo. Mas não imaginava que o incêndio seria de tamanhas proporções. A coisa foi séria e grave.
Marielle não era uma "defensora de bandidos", nem morreu por isso. Ao contrário, ela era tão contra os bandidos, que eles a mataram.
Confesso que não sabia da existência de Marielle, até o dia de sua morte. Só então fui me informar sobre ela. Não posso afirmar, portanto, que sua atuação como política tenha sido de heroína ou de vilã. Mas alguns dados temos, nós todos, à disposição. O mais importante é a forma como a vereadora morreu: ela foi executada. Seu assassinato foi cometido por várias pessoas, que a seguiam em pelo menos dois carros.
Os homens que cometeram esse crime, obviamente, são bandidos. Eles queriam se livrar de Marielle, queriam eliminá-la, decerto porque ela os estava atrapalhando em suas atividades. Logo, Marielle não era uma "defensora de bandidos", nem morreu por isso. Ao contrário, ela era tão contra os bandidos, que eles a mataram.
Quem são esses bandidos? Da polícia? Do tráfico? Não importa: são bandidos. Se Marielle exagerava na crítica à polícia, essa é uma questão secundária. O fundamental é que ela foi vítima de bandidos, e não por acaso. Não foi um latrocínio nem um caso passional: foi uma execução cometida por profissionais que provavelmente fizeram o serviço por encomenda.
Isso é uma das "partes opostas do Brasil divido". Mas a outra também erra, e erra feio. Vou fazer ilustres ilustrações:
1. A Executiva Nacional do PT divulgou nota dizendo que o assassinato de Marielle e a condenação de Lula "fazem parte da mesma escalada autoritária do país".
2. Dilma Rousseff disse que o assassinato de Marielle "faz parte do golpe de 2016".
3. Artistas brasileiros postaram, nas redes sociais, que "golpistas matam" e que Marielle morreu "por ser negra, por ser mulher, por ser pobre".
Meu Deus. É desolador ver como a ideologia embrutece o cérebro. Um homem rico e branco poderia ter sido assassinado nas mesmas condições de Marielle. Muitos já o foram. A violência atinge a todos no Brasil. Mais aos pobres, é verdade, mas ricos e remediados também sofrem e também sentem medo, e ninguém é dotado da capacidade de medir medo e sofrimento.
Prosseguindo: Lula não foi condenado porque está havendo "uma escalada autoritária". Lula foi condenado por corrupção.
E, por fim, a ex-presidente ter relacionado sua expulsão do poder com um assassinato é uma tentativa vil de usar a morte de uma pessoa para se vitimizar. O raciocínio torpe e subjacente que fazem Lula, Dilma e o PT é que, se eles ainda estivessem no poder, Marielle não teria sido assassinada. Argh.
O assassinato de Marielle é uma tragédia para sua família, uma frustração para seus eleitores, uma afronta para as autoridades e uma tristeza para todo o Brasil. Os protestos que pediram justiça são, de certa forma, um pequeno consolo. Mas as manifestações dos que tentam culpar a vítima pelo crime que sofreu ou dos que tentam se valer da sua desgraça em proveito próprio, isso é a vergonha. É a grande vergonha.