Será que foi bullying? Esperei alguns dias para que as informações fermentassem e agora posso fazer essa pergunta: será que foi bullying a causa da tragédia de Goiás em que um rapaz de 14 anos de idade matou dois colegas a tiros e feriu outros quatro, na semana passada?
Já tive 14 anos. É a idade do bullying, de fato. Até os 12, meninos são crianças. A partir daí, tudo muda – o corpo, a mente, o espírito, a vontade. Os meninos agora estão em outro mundo. Ou melhor: agora eles estão no mundo. Antes, o mais importante de suas vidas era a família. Os pais estavam no centro da existência, e a rotina, mais do que bem-vinda, era necessária. Agora, não. Agora, os amigos e as meninas ocupam firmemente o centro. Nada é mais precioso do que ser amado pelo grupo. A vida é competitiva, os pais ficaram para trás e na frente há o desconhecido.
Quase todas as brigas a soco que tive na vida se deram nessa faixa dos 13 aos 16 anos de idade, e não foram poucas as brigas a soco que tive na vida. Depois da escola, nós passávamos o dia soltos, zanzando pelo IAPI. Quantos éramos? Cinquenta? Sessenta? Talvez muito mais. Havia amigos e inimigos por toda parte, havia turmas rivais, havia os mais velhos e mais fortes e os mais novos e mais fracos, havia sempre possibilidade de conflito.
Uma vez, discuti com um guri por algum motivo, ele tentou me esmurrar, girei o corpo, esquivei-me e o gravateei. Imobilizado, ele enfiou o dedo no meu olho direito e pressionou. Pressionou com força. Bati com a cabeça dele em um muro de cimento salpicado que tinha ali perto. Os outros gritaram:
Bullying é a perseguição continuada, que amassa e transtorna. Bullying transcorre em longas prestações, vai minando a alma devagar.
– Vai quebrar a cabeça do cara! Vai matar o cara!
Então, parei. Avisei que o soltaria. Soltei-o. De certa forma, vencera a briga, mas meu olho sofreu um derrame que deixou a esclerótica vermelha durante um mês. O oftalmo que me atendeu então é o mesmo que me atende até hoje, o doutor Joaquim Xavier. Ele balançou a cabeça e disse tristemente:
– Tu quase tiveste o olho furado.
Ser guri nessa faixa etária não é para amadores.
Esse de Goiás, que atirou nos colegas, vinha sendo chamado de fedorento pelos outros. Isso acontecia havia quatro dias, segundo li.
Quatro dias...
Uma zombaria de quatro dias, ainda que intensificada pela ubiquidade das redes sociais, configura bullying?
Parece-me que não.
Bullying é a perseguição continuada, que amassa e transtorna. Bullying transcorre em longas prestações, vai minando a alma devagar.
Nem tudo que guris fazem para apoquentar uns aos outros, porém, é bullying. Guris caçoam dos amigos, dos colegas, dos conhecidos e dos desconhecidos, debocham dos menores para sugerir que são maiores, guris às vezes se agridem, brigam a soco e até podem machucar seriamente o eventual inimigo ao furar um olho ou quebrar uma cabeça. Às vezes, nada disso é bullying. Em geral, não passa de produto de um período perigoso da vida: a adolescência. Todos nós que aqui estamos sobrevivemos à adolescência. Mas ninguém mais ou menos sadio meteria uma arma na mochila e daria 12 tiros nas costas dos colegas em sala de aula. Ações desse jaez não são próprias de vítimas de bullying. São próprias de psicopatas da categoria dos juniores. É possível que surjam novas informações neste caso. É possível que a realidade não seja bem essa. Mas, pelo que está posto, prefiro repetir uma máxima muito usada nos dias de hoje: a culpa nunca é da vítima.