Tenho acompanhado com arregalado interesse a última polêmica que freme e ruge no Brasil: a do papel higiênico preto.
Se você não sabe, explico: uma empresa anunciou o lançamento de um papel higiênico negro como o esquecimento.
A ideia é que o produto seja o suprassumo do requinte em termos sanitários. Pessoas realmente sofisticadas não mais fariam sua higiene íntima com papel branco vulgar, mas apenas com o novo, tenro e perfumadíssimo papel preto.
Para a campanha publicitária, a empresa contratou a meiga atriz Marina Ruy Barbosa, e acho que escolheu muito bem. Em primeiro lugar, porque Marina é tetraneta do mais famoso polímata brasileiro, Ruy Barbosa, a Águia de Haia.
Ruy Barbosa foi um homem tão importante, que seu prenome virou sobrenome. De certa forma, foi ele quem criou a família Ruy Barbosa. Mais: é um nome com ípsilon, um charme. Durante algum tempo, inclusive, linguistas brasileiros discutiram com ferocidade de Kannemanns se o ípsilon de Ruy Barbosa deveria ou não ser transformado num magérrimo I, já que o Y, o K e o W tinham sido banidos da língua portuguesa. Segui também esse debate, e o fiz com a respiração presa. Torci devotadamente pelo ípsilon. Por motivos pessoais, confesso: meu sobrenome materno é o alemão Wagener, que deriva de "carro" (lembre-se, Volks Wagen é Carro do Povo). Venceu o ípsilon, vencemos nós. Convenhamos, Marina Ruy Barbosa fica muito mais chique com ípsilon e meu avô ficaria furioso se lhe tomassem o dábliu.
Outro motivo pelo qual afirmo que a agência acertou ao optar por Marina Ruy Barbosa é que ela é ruiva autêntica. Como se sabe, ruivas autênticas estão em extinção e, abaixo da Linha do Equador, são tão raras quanto micos-leões-dourados. Já até ouvi alguns insanos assegurarem que é impossível haver uma ruiva de verdade no Brasil. Homens de pouca fé: vejam Marina. Marina Ruy, ruiva de raiz.
Tudo, absolutamente tudo nesta vida, vale discussão no nosso Brasil.
Ou seja: Marina Ruy Barbosa tem tudo a ver com distinção. Tudo a ver com papel higiênico preto.
Na campanha, ela surge enrolada no papel higiênico e, entre sua pele branquíssima e o papel higiênico nigérrimo, nada mais há. Até aí, tudo bem, poucos se incomodaram, mas o slogan da campanha é "black is beautiful", preto é bonito, um dos lemas do movimento negro. Alguns líderes do movimento se ofenderam, reclamaram, Marina se desculpou nas redes e a frase não está mais sendo usada na propaganda.
Não critico quem critica nem quem não critica, cada qual com suas suscetibilidades, o que me desperta a curiosidade é: como os supremacistas brancos vão encarar a novidade? Até então, este recôndito da atividade humana era exclusividade deles. Papéis higiênicos eram arianos puros, nossos toaletes eram prussianos. No máximo, apareciam uns rosados. Agora, não mais. Agora, os banheiros dos palácios ostentarão o papel higiênico preto. Para essa gente branquicela, que sai pelas ruas da Virgínia com fronhas na cabeça e tochas nas mãos, isso não será uma afronta? Aguardo a resposta a essa dúvida com a respiração tão presa quanto na discussão do ípsilon.
Temo, tão somente, que o papel higiênico de Marina Ruy Barbosa não vingue. Porque, por ser preto, ele dificulta a conferência visual do usuário. Como saber se o papel de fato funcionou?
Meu Deus, o que será que vai acontecer?
Tudo, absolutamente tudo nesta vida, vale discussão no nosso Brasil.