Na boa, deixa o cara ser cristão. Ou ser um desses evangélicos bem crentes. Ou ser ateu. Deixa o cara comer carne vermelha ou só salada ou só semente ou só peixe ou até comer placenta, como a filha do Gilberto Gil come. Deixa o cara ser gay ou qualquer uma daquelas muitas variações, como uma que nem sabia que existia, o "binário".
E deixa o cara ser gaudério, também. Por favor.
Porque, quando chega essa data, 20 de setembro, vem um monte de gente para incomodar os gaudérios.
Ah, porque estão comemorando uma revolução que perderam.
Ah, porque o gaúcho acha que é muito macho.
Ah, porque a origem da Revolução Farroupilha não era separar o Rio Grande nem libertar os escravos.
Ah, porque teve o Massacre de Porongos.
Ah, porque Bento Gonçalves possuía escravos.
E daí?
Em primeiro lugar, se a Revolução Farroupilha não começou, terminou querendo separar o Rio Grande do Brasil. E ainda bem que não conseguiu.
Em segundo lugar, o contexto histórico tem importância, sim. Ou você acredita que na Revolução Francesa, por exemplo, todos eram fortes, valentes e heróis?
E, em último lugar, mas mais importante, o que interessa, no 20 de setembro, não é a Revolução Farroupilha. O que interessa é o gaúcho celebrar o lugar em que vive e cultivar a imagem que ele tem de si mesmo. Porque esse gaúcho gaudério não é o sujeito metido a machão, grosseiro, brigão e tacanho que querem fazer crer os detratores. Não. É o gaúcho que preza valores como a amizade, a lealdade e a alegria, que alegria também é um valor.
Eu, aqui, sou um gaúcho porto-alegrense, nunca entrei numa pilcha nem montei num cavalo. Eu, aqui, penso que é ridículo quando gaúchos sem educação cantam o Hino Rio-Grandense em cima do Hino Nacional, nos jogos de futebol. Mas eu, aqui, vivendo a 8 mil quilômetros do Rio Grande do Sul, faço questão de ensinar ao meu filho que ele nasceu gaúcho, que sempre será gaúcho e que o gaúcho de verdade não é um homem que usa determinado tipo de vestimenta, não é um cavaleiro por natureza nem é alguém que se acha melhor do que quem quer que seja.
Nada disso.
O gaúcho de verdade tenta sempre fazer o que é certo, pede desculpas se faz errado e deixa que as pessoas sejam cristãs ou crentes ou ateias, deixa que comam carne vermelha ou só sementes, deixa que sejam gays ou héteros ou binários. O gaúcho de verdade, meu filho, respeita as outras pessoas.
