Alguns homens não deveriam rir jamais. O riso é, em essência, bom, e é o que há de mais humano, mas nem sempre é bem-vindo.
Os amantes concentrados no ato do amor não riem. Schopenhauer dizia que essa era uma prova do quanto o sexo é puramente animalesco: durante o sexo, homem e mulher não riem, porque eles não são mais homem e mulher: são animais. São selvagens.
O zagueiro não ri. Risos e amenidades estão reservados para os atacantes, aqueles irresponsáveis. O zagueiro é um homem sério. O zagueiro nem deveria usar calção. Deveria jogar de gravata.
Pedro Geromel, o maior zagueiro do Brasil, não tem cara de mau, não parece ser homem grave, mas, olha, ele não ri.
Talvez Pedro Geromel seja outra coisa fora de campo, talvez tenha sido outra coisa antes de entrar na camisa do Grêmio, mas, agora, enfiado em um par de chuteiras, Pedro Geromel transformou-se em sinônimo do que é o zagueiro. A partida que fez contra o Cruzeiro, quarta passada, fez-me lembrar de velhas glórias do futebol.
Com sua velocidade de jamaicano, Geromel lembrou Bibiano Pontes, que marcou época no Inter.
Bibiano Pontes foi o zagueiro mais rápido que vi jogar. Até nome de zagueiro tinha. Pertencia ao clã dos Pontes, de Passo Fundo. Eram três: João, Daison e Bibiano, todos fortes, todos valentes, todos heróis. Uma família de herculoides. Só uma vez Bibiano Pontes foi superado em velocidade por um atacante, um negro magrinho do América do Rio. Vendo esse negrinho meter a bola goela adentro de Pontes uma noite inteira, os dirigentes do Grêmio decidiram contratá-lo. Por ele, deram em troca dois jogadores de Seleção: o centromédio Ivo Wortmann e o ponta-direita Flecha. Ele veio para o Grêmio e fez história. Foi campeão gaúcho, brasileiro, da América e do mundo. Era Tarciso, o Flecha Negra.
Não sei se Tarciso venceria o Geromel que esteve na Arena na quarta.
Mas Geromel não foi só velocidade. Ele jogou também com o senso de colocação de um Mauro Galvão.
Galvão era arrumador de defesas. Ele não fazia muito esforço. Dava dois passos para a esquerda ou um para a direita e fechava toda a zaga. Com seu posicionamento perfeito, Galvão mostrava aos outros onde ficar e para onde ir. Com ele ao lado, Odvan foi convocado para a Seleção Brasileira. Odvan, você deve saber, era aquele zagueirão tosco do Vasco da Gama, que ganhou esse nome por causa de uma música do Roberto Carlos: O Divã.
Na quarta, pelo alto, Geromel poderia ombrear com o maior zagueiro cabeceador da história: dom Elias Ricardo Figueroa Brander. Há duas fotos espetaculares que, mais do que mil palavras, contam o que foi Figueroa. Nas duas, ele salta para cabecear. Numa, decola a tal altura, que seus joelhos ficam ao nível dos ombros do atacante adversário. Detalhe: o atacante também está pulando. Na outra, Figueroa voa na horizontal, como se fosse o Super-Homem sem capa. Ele vai cabecear a bola, e seus olhos se mantêm abertos como se estivesse na frente de uma tela de cinema.
Geromel ainda demonstrou a ubiquidade de um Gamarra – ele estava em toda parte ao mesmo tempo. Talvez porque Geromel não é um, são dois. Ele e Kannemann se completam. São como arroz e feijão, química e biologia, Claudinho e Buchecha, control e shift.
Só que Geromel não estará na decisão contra o Cruzeiro. Geromel se machucou e ficará parado por muito tempo. Uma pequena tragédia.
Dizem que ninguém é insubstituível. Não é verdade. Muitas pessoas são insubstituíveis. Muitas pessoas são raras e únicas. Geromel é assim. Pode-se botar alguém no lugar dele, não substituí-lo. O que será do Grêmio sem Geromel? Sem Geromel, o Grêmio conseguirá rir?