Chico Buarque de Holanda e Roberto Rivellino foram os personagens que mais se aproximaram do que se poderia chamar de ídolos, para mim. Se bem que "ídolo" é uma palavra forte demais. Não havia incondicionalidade na minha admiração, eu apenas me encantava com o talento que eles tinham no que faziam.
Ocupo-me mais, aqui, do Chico, porque ele lançou novo disco, dias atrás. Mas, antes, vou falar um pouco do Riva, porque finalmente recebi do meu amigo Maurício Noriega o seu livro Rivellino.
Noriega, se você não sabe, é um dos melhores comentaristas de futebol da TV brasileira. Ele faz com o Milton Leite uma dupla harmônica como faziam Zico e Rivellino na Seleção.
Pois Noriega, homem do vídeo e da fala, pôs-se a escrever, e o fez bem.
Em geral, livros sobre o mundo do futebol, no Brasil, não passam de rematada picaretagem. Não há preocupação com o texto ou com a pesquisa, a intenção dos autores é faturar com a popularidade do tema. No caso do Noriega, não. O leitor percebe que houve trabalho e critério. Quem gosta de futebol vai gostar de ler.
Uma das tantas histórias que Noriega conta sobre o Riva se passou às vésperas da Copa de 1970. Rivellino ainda não era titular daquele que foi considerado o maior time de futebol de todos os tempos. Outros dois legítimos craques candidatavam-se a jogar naquela posição: Edu, ponta-esquerda clássico, de drible irresistível, mas que não voltava para marcar, e Paulo César Caju, meia de habilidade incomum e jogo cadenciado, que seria campeão do mundo pelo Grêmio na década seguinte.
Rivellino teria sua chance de mostrar que era melhor do que os concorrentes em uma partida preparatória contra a Áustria, em que foi escalado para sair jogando. Ele, de fato, era melhor, mas às vezes um grande jogador desanda quando sofre a pressão de ter de provar sua capacidade em um único jogo.
Por isso, no dia da partida, Rivellino sentia-se apreensivo em meio ao ambiente da concentração. Só relaxava no momento em que se reunia com jornalistas e outros jogadores para comentar a respeito de uma morena sinuosa que circulava pelo hotel naqueles dias. Mais do que o adversário, ela era o assunto das conversas. Todos olhavam para a morena, e a cobiçavam.
Rivellino, no entanto, estava mais preocupado com a partida. Depois do almoço, ele se recolheu ao quarto, deitou-se e ficou pensando como deveria jogar. Estava estendido na cama, quando ouviu baterem à porta. Foi atender e, ué?, não havia ninguém no corredor. Deitou-se outra vez. Mal cruzou as mãos atrás do pescoço e, maldição!, novas batidas. Agora, já irritado, gritou, enquanto se erguia:
– Tem jogo daqui a pouco! Vão descansar!
Abriu a porta.
E, com mil lançamentos em profundidade, não havia ninguém.
Deitou-se novamente, intrigado, e novamente soaram as batidas na madeira. Então, Rivellino percebeu que o som não vinha da porta da frente e sim de uma lateral, que se comunicava com o quarto contíguo. Foi até lá. Abriu-a e... sim, sim, mil vezes sim! Era ela. A morena. Sorria um sorriso de promessas.
Cumpridas.
Após algumas horas de prazer carnal, Rivellino entrou em campo flutuando. Procure as cenas de sua atuação no YouTube. Você verá um conjunto de lances que nenhum jogador acumula num único jogo nos dias de hoje. E, para arrematar uma apresentação perfeita, aos 12 minutos do segundo tempo ele recebeu a bola de Gérson, driblou um adversário, enquadrou o corpo e chutou com o lado de dentro do pé. A bola fez uma negaça para se esquivar do goleiro e entrou no canto: 1 a 0 para o Brasil. Rivellino seria titularíssimo da Seleção das Seleções, na Copa das Copas.
Aconteceu algo, porém, com Rivellino e também com Chico, de quem nem falei ainda. Já falo.