Entrevistamos o ator Paulo Betti no Timeline Sincero, que é o Timeline das sextas. Boa entrevista, com um bom ator, que, o mais importante, parece ser boa pessoa.
Perguntei a Paulo Betti sobre seu trabalho no filme Lamarca, em que ele é o protagonista. Senti, ao assistir ao filme, que Betti incorporou Lamarca. Era como se ele fosse o próprio guerrilheiro. Agora, quando penso em Lamarca, penso em Betti-Lamarca. Suponho que essa transmutação só aconteça quando existe empatia entre o ator e o personagem. Quer dizer: Betti admira Lamarca.
Pergunto: Lamarca é homem para ser admirado?
Em parte, sim. Lamarca era um idealista, ele queria fazer o bem para as pessoas que sofrem. Era, em certa medida, o nosso Che Guevara. Ele queria ser Che, todos os esquerdistas queriam e ainda querem ser Che, com aquela aura de combatente romântico, bonitão e sonhador debaixo de sua boina. Hay que endurecerse...
A questão é que Che e Lamarca eram homens equivocados. Tinham ótimas intenções, mas estavam errados na forma E no conteúdo. Foram produtos do seu tempo, como somos todos. A Guerra Fria desenhou aquele tempo. Aquele Gre-Nal entre Estados Unidos e União Soviética centralizava todas as discussões e fazia todo mundo errar. Passada a Guerra Fria, erra-se menos.
Com exceção do Brasil.
Hoje, o Brasil vive uma espécie de Guerra Fria cabocla. Retrocedemos aos anos 1960. Só que, em vez de Golbery de um lado e Lamarca de outro, temos Lula versus Bolsonaro. Uma pobreza.
Não vou me ocupar de Bolsonaro. Desculpe-me a rudeza, mas considero a ideia do voto em Bolsonaro uma opção canhestra.
Lula é um personagem mais complexo. Paulo Betti disse que Lula deve explicações por sua promiscuidade com os empreiteiros. Foi um eufemismo de Paulo Betti. Lula liderou a construção de um esquema de manutenção de poder que usou o Estado brasileiro como ferramenta política. É mais grave do que a rede de corrupção que se formou a partir disso, porque essa ação corroeu o Estado por dentro e deseducou a sociedade por fora. A corrupção foi consequência, não causa.
Para os chacais do PMDB, sim, a corrupção é causa, não consequência. São mais repugnantes, os corruptos do PMDB, mas menos nocivos.
Agora, não se iluda: Lula nunca teve ideologia, ideal ou ideia. Lula sempre foi um oportunista. Era um carismático líder sindical que compreendeu suas possibilidades de ascensão política, nada além disso. Lula usou o PT como instrumento. O PT cresceu por causa dele e, ao mesmo, tempo, foi diminuído por ele. Entristece-me ver petistas inteligentes tornados subalternos de Lula.
Fazendo uma má comparação, e ainda assim fazendo-a, diria que Lula está para Stálin como Zé Dirceu está para Lênin. Lênin era o idealista entre os bolcheviques e, ao contrário de Zé Dirceu, tinha popularidade. Mas também era equivocado e, em certo momento, percebeu o equívoco. Queria dar outro rumo à revolução, queria fazer concessões ao capitalismo e salvar a Rússia, mas não teve tempo; morreu antes.
Stálin, seu sucessor, era um oportunista. Como Lula, não era motivado por ideais, e sim pelo poder.
Lula, na essência, não é um corrupto. Concordo com Gilberto Carvalho, que disse que o objetivo de Lula nunca foi enriquecer. Claro que não. O objetivo de Lula sempre foi o poder, e não o poder para construir o socialismo ou coisa que o valha, mas um poder parnasiano: o poder pelo poder.
Lula se deixou corromper, de fato, mas foi pelo que identificou Paulo Betti: por sua proximidade obscena com o dinheiro. Lula não via mal em receber benesses das empreiteiras, até porque ele e vários de seus apoiadores confundem governo com Estado. Para ele, era natural e justo ganhar um doce de vez em quando.
Esses outros que vemos aí, Temer, Renan, Cunha et caterva, esses sabem perfeitamente o que é governo e o que é Estado, mas eles são rasteiros. Com eles, não há ideal, mesmo que equivocado, nem há o sonho do homem comum, que cresceu mais do que poderia imaginar. Há, só, interesse material.
O que resta disso tudo, cá para nós? Discussão vã. Guerra Fria requentada. Uma pequena dose de perplexidade. E outra grande de desencanto.