Um dos filósofos que mais influenciaram o mundo moderno foi um cara daqui de Massachusetts chamado Henry David Thoreau (tinha de ser David!). Esse Thoreau deu cimento teórico às ideias de dois dos maiores estadistas de todos os tempos, Gandhi e Mandela, inspirou diretamente o gigante Martin Luther King e o escritor russo Tolstói, entre outros humanistas importantes.
Thoreau estudou em Harvard e morava em uma localidade próxima de Boston, numa cabana simples, no meio do campo. Costumava dizer:
"Tornei-me vizinho dos pássaros. Não por ter aprisionado um, mas por ter me engaiolado perto deles".
Thoreau foi uma espécie de pai dos ambientalistas e da educação moderna. Indignado com os métodos didáticos da época, que incluíam castigos físicos, fundou uma escolinha no lugar em que vivia. Nessa escola, Thoreau e seu irmão tratavam os alunos com respeito incomum para aquele tempo. Um de seus métodos de ensino eram as field trips, passeios pelo campo, em que mostravam a natureza in loco e lhe explicavam o funcionamento.
As field trips consagraram-se nos Estados Unidos e espalharam-se pelo mundo. As excursões que seu filho faz com a turma do colégio nada mais são do que heranças de Thoreau. Sempre que uma classe sai da escola para ver como as coisas se dão "no mundo real", lá está Thoreau.
Aqui, meu filho vive participando dessas field trips. Numa delas, tempos atrás, ele visitou departamentos da prefeitura e lá ganhou uma plantinha. Ainda no espírito ecológico de Thoreau, eles presentearam os alunos com pequenos vasos de flores, vasos bem pequenos mesmo, do tamanho de cuias de chimarrão, com umas plantinhas floridas. As crianças é que escolhiam as que queriam levar para casa. Quando fui pegar meu filho na escola, ele estava orgulhoso de sua escolha, passou todo o caminho para casa falando na plantinha, que sua plantinha era muito bonita, que ele achou a plantinha especial e tal.
Um dia depois, porém, ele já não falava na plantinha. Estava mais preocupado em jogar Roblox pelo computador com seu amigo João Francisco, aí de Porto Alegre. A Marcinha, então, levou a plantinha para fora, para a sacada, e lá ela ficou.
Como você deve saber, é verão no Hemisfério Norte, e o sol tórrido tem o hábito de torrar o que se lhe vai por baixo. Torrou a plantinha. No dia seguinte, quando fui à sacada, encontrei-a seca e torta feito uma mão em garra.
– Oh... – lamentou a Marcinha. – Ela morreu. Vamos pôr fora.
– Não – respondi, do alto da minha experiência de guarda florestal que fui quando tinha oito anos, no Parque Minuano. – Não. Vou cuidar dela.
Foi o que fiz. Reguei a plantinha docemente, removi as folhas secas, fui lá embaixo, peguei terra nova do canteiro da rua e coloquei no vaso. Todos os dias, molhava a plantinha, afofava-lhe a terra, limpava-lhe as folhas.
Ela reagiu, vicejou, entesou-se no pequeno vaso, verde e forte como jamais havia sido. Fiquei contente. Passei a tratar dela com o máximo de carinho. Ao comer laranja ou maçã, removo pequeníssimos pedaços da polpa das frutas e misturo à terra, fazendo as vezes de adubo. Pingo sempre algumas criteriosas gotas de água nas folhas para limpá-las. E, de manhã, levo-a para a sacada a fim de que ela faça fotossíntese durante o sol bom de antes das 10h.
Uma plantinha de meio palmo de altura, e me afeiçoei a ela como se fosse um cachorro. Caetano Veloso, cantando Peninha, dizia que quando a gente gosta é claro que a gente cuida. Verdade. Mas também é verdade que, quando a gente cuida, acaba gostando. Thoreau tinha razão. Um dia ainda me engaiolo perto dos pássaros.