Como é precário o equilíbrio.
O equilíbrio, que digo, é o da vida humana em todos os sentidos: físico, emocional, mental. A linha que separa a glória do fracasso ou a sanidade da insanidade, por exemplo, é isso mesmo: uma linha. Está tudo bem aqui deste lado. Dê um passo para lá e você pisa na areia movediça da desgraça.
Às vezes, ouço uma pessoa falar no famoso botão do... Como direi, para não ferir a pudicícia dos leitores? ...botão do ferre-se.
Pois ouço as pessoas dizendo:
– Ah, vou apertar o botão do ferre-se.
E apertam.
E se ferram.
O problema com esse botão é justamente este: ele funciona. E em geral é só isso mesmo, só um botão, só um gesto, um limite ultrapassado, do qual não se pode mais voltar. Aquela palavra que você disse e se arrependeu de ter dito quando ela ainda está roçando em seus dentes. Mas, depois que saiu, não tem mais jeito, não há como engoli-la de volta. Você se ferrou. Uma palavra. Tudo mudou.
Claro que as transformações vão ocorrendo devagar, mas a gente só percebe depois que a mudança ocorreu depressa. Você vai se aproximando da fronteira. Assim que avançar um metro e ultrapassá-la, estará em outro estado. Um metro para lá e um metro para cá. Toda a diferença. Mas você caminhou até lá.
Faço toda essa digressão para tentar entender por que as pessoas meio que enlouqueceram, e não só no Brasil. Pegue esses terroristas voluntários do Estado Islâmico. Muitos deles se radicalizaram pela internet. Fazem juramento de lealdade ao Estado Islâmico pelo celular. Nunca foram à Síria, não sabem falar árabe, nasceram e moram no Ocidente. Mas, através da internet, não apenas se convertem como se deixam convencer a amarrar dinamite à cintura e se explodir, a fim de matar ou ferir outras pessoas.
Como é que acontece uma coisa dessas? O que é que o Estado Islâmico coloca nesse site para convencer uma pessoa a se matar em nome de uma causa?
Entenda que, pela internet, os propagandistas do Estado Islâmico conseguem destruir até o mais básico instinto que anima todo ser vivo sobre a Terra: o instinto de sobrevivência. Que feitiço é esse?
Num plano menos dramático, mas também intrigante, está parte da população brasileira, que, de historicamente tolerante, tornou-se belicosa, rabugenta e extremista. Éramos um país de pândegos, e hoje todos se levam a sério. Ninguém mais deixa pra lá, no Brasil. Ninguém mais dá de ombros e segue em frente. Boa vontade você não encontra em canto algum. Encontra, apenas, o dedo apontado e o ranger de dentes.
O que houve?
Suspeito de que, como no caso dos malucos do Estado Islâmico, seja obra da internet. Com o advento da internet, as pessoas começaram a dar opinião, e a opinião tem tendências à tirania. Você acha que é dono dela, mas, se lhe der muita importância, se tornará seu escravo. Em pouco tempo, você será obrigado a defendê-la contra quaisquer ataques, vindos de onde quer que seja: familiares, amigos, desconhecidos. Nada mais importa, o que importa é a sua amada opinião.
Note como os extremismos são todos iguais. Pode ser o fundamentalista religioso, político, seja o que for, seu grande valor é a sua crença. O resto é subalterno.
Conheço muita gente que está acometida dessa pequena loucura. Pessoas submetidas ao dogma, à fé ou simplesmente à necessidade de mostrar que têm opinião, e opinião dura, de tão reta. Eram pessoas sensatas, até que cruzaram uma fronteira e de lá não conseguem mais voltar. O compromisso com a causa é maior do que elas. Já amarraram a dinamite à cintura. Logo, explodirão.