A Lu é telefonista histórica da Zero Hora. Acho que remonta à época em que só conseguíamos nos comunicar com o mundo exterior com intermediação de telefonista. Nem faz tanto tempo isso. Nos anos 1990, quando o repórter tinha de, por exemplo, fazer duas ligações para São Paulo e outras três para Brasília, entregava um papel com a lista de números para a telefonista e ia para o cafezinho, porque aquilo ia demorar meia tarde.
Em algum momento, mais para o fim da década, anunciou-se que teríamos o luxo de uma linha para cada telefone da Redação. Mal podíamos acreditar.
Hoje, imagine, telefone fixo é instrumento obsoleto. Ninguém mais paga para falar ao telefone.
Mas, voltando à Lu, tenho a impressão de que ela trabalha na Zero Hora desde aquelas priscas eras. Fica numa salinha envidraçada, com vista para a Redação. Às vezes, comunica-se por e-mail. Nesta semana, enviou uma mensagem para todos os funcionários do jornal que informava o seguinte:
"Sacola verde com um mamão dentro.
Está aqui na telefonia.
Lu".
Fiquei algum tempo pensando nisso. Em primeiro lugar, na forma. Um primor de construção minimalista. Podia ser um verso de Caymmi. Lu foi neoliberal com as palavras, gastou o mínimo para dizer o máximo. Fosse ela perdulária, diria que "hoje de manhã, por volta das 10h, foi encontrada uma sacola verde, com um mamão dentro, no fundo da Editoria de Esportes. Como não havia ninguém na editoria naquele momento, a sacola foi levada à sala da telefonia, onde se encontra no momento, para ser devolvida ao seu legítimo dono. Quem quiser reclamá-la, fale com a Lu".
Mas, não. Lu foi direta, breve e eficiente. Soube se comunicar. Não é à toa que trabalha há tanto tempo em jornal.
Agora, o que realmente me tocou foi o conteúdo. O objeto em si. A sacola verde com um mamão dentro.
Em primeiro lugar, por causa do mamão. Existem mamões à mancheia nos Estados Unidos, mas não como os do Brasil. As aves que aqui gorjeiam, gorjeiam como as daí, o céu tem as mesmas estrelas, as várzeas, as mesmas flores e, dependendo da vida, idêntico número de amores. Só que mamão, não.
O mamão brasileiro é muito mais doce, muito mais saboroso e até a consistência é diferente.
Americano não sabe o que é mamão bom.
Então, quando imaginei aquela sacola verde com um mamão dentro, pensei: ah, as delícias do mamão! Cortá-lo meigamente, como se fosse um afago, raspar-lhe as sementes pretas sem pressa e, depois, comer com colher, como se fosse um creme. Há quanto tempo não faço isso?
Dizem que mamão de manhã cedo faz muito bem para a saúde, mas não me animo com os mamões daqui. Não. Como apenas pão com manteiga e suspiro de saudade.
Por fim, houve mais uma informação, naquela curta mensagem, que me enterneceu: esse meu colega, o dono da sacola verde, foi à feira ou ao supermercado, passou por centenas, quiçá milhares de produtos, viu chocolates, pães, doces, massas, carnes, biscoitos, viu tudo que há de comer e por tudo passou sem nem olhar, foi até o setor das frutas e de lá colheu um mamão, tão somente um mamão.
Nada mais.
Com esse mamão em mãos, ele se deslocou ao caixa, pagou e saiu. Tomou seu carro e foi para o jornal. Para não deixar o mamão murchando ao sol do trópico, acondicionou-o em uma sacola verde e o levou para o trabalho. Depois de um dia inteiro de lida, no entanto, ele foi embora sem levar o mamão. Esqueceu-o, como um argentino que esquece a mulher na estrada. O mamão ficou, ele seguiu. Imagino-o chegando em casa e dando um tapa na testa:
– Não! Meu mamão!
Ele queria comer mamão no café da manhã do dia seguinte, foi ao supermercado só para isso, e agora ficaria sem mamão. Como um americano ou um brasileiro exilado, mastigaria apenas seu pão com manteiga e daria um suspiro de nostalgia.
Uma pequena decepção, mas uma decepção. Um pequeno drama do dia, mas um drama. Ainda bem que a Lu o salvou. Guardou o mamão. O próximo café da manhã seria docemente brasileiro, como devem ser os cafés da manhã.