Assisti a um ou dois shows do Ivan Lins, nos remotos anos 1980. E gostei muito. Até me surpreendi de ter gostado tanto, porque Ivan Lins movia-se sempre à sombra daqueles grandes carvalhos da música popular, que eram Chico e Caetano. Injustiça. Ivan Lins também fez canções inesquecíveis.
Agora, nesta série da Globo, Os Dias Eram Assim, uma dessas inesquecíveis, que andava meio esquecida, foi lindamente reaproveitada. Aos Nossos Filhos é o título da música que, no refrão, carrega a frase que dá nome ao seriado. Ivan Lins fez sucesso cantando essa canção, mas foi Elis Regina, sempre ela, que a transformou em clássico.
Na versão de 2017, os próprios atores protagonistas da trama a interpretam e, se é verdade que ficam a um oceano da força de Elis, também é verdade que o fizeram com alguma competência, sobretudo porque foram ajudados pelo arranjo. O poder da voz de metal e mel de Elis é substituído por toda uma orquestra, e funciona.
A série é ótima por vários motivos, além da trilha sonora. Um deles, por repisar o caminho pedregoso da ditadura militar. É sempre importante ressaltar a parte ruim de um regime desses, pois a tendência das pessoas é lembrar-se só do que foi bom.
Isso gera confusão, porque, de fato, aqueles dias eram diferentes e, em vários aspectos, melhores. O Brasil acabara de ingressar no "mundo moderno", digamos. Uma casa de classe média plantada na franja do Atlântico dispunha de tecnologia mais ou menos parecida com a de hoje, com exceção da internet e seus derivados, como os celulares inteligentes. Claro, a TV tinha a espessura de um fogão de seis bocas e você precisava ir até o aparelho e girar o seletor a fim de mudar de canal, mas esses eram pormenores. O Brasil parecia jovem, tudo era jovem e cheio de novidade.
Há um filme brasileiro desta época, Bar Esperança, o Último que Fecha, que retrata uma nesga daquele estilo de vida. No Bar Esperança, todo mundo se conhecia, bebia junto, brigava junto, festejava junto, se amava e se odiava meio que em público. Não era uma mesa com amigos em volta. Era um bar com amigos por todo lado. Aquele tipo de convivência foi se extinguindo, no Brasil, porque o comportamento do brasileiro mudou.
As pessoas ficaram mais individualistas, mais cautelosas e, certamente, menos bobas.
Como éramos bobos.
Lembro de uma madrugada, já no comecinho dos anos 1980, em que nós estávamos no Edelweiss, barzinho que ficava ao lado do Teatro Presidente, na Benjamin. Íamos lá todas as sextas-feiras, sem falta, e saíamos invariavelmente ao amanhecer. Não havia janelas, no bar. Quando abríamos a porta da rua, ao fim da noitada, o sol explodia lá no céu e nós nos encolhíamos feito vampiros. Sempre odiei chegar em casa de dia.
Músicos do Taranatiriça iam ao mesmo bar e vez em quando aterrissavam na nossa mesa. Ou nós na mesa deles. Havia duas loiras gêmeas que eram as rainhas do Edelweiss, e se não me engano o Barnabé namorou uma delas. As mesas todas se misturavam depois da primeira volta da madrugada. Não raro, alguém puxava um violão de alguma sombra da parede e todo mundo se punha a cantar.
Nessa madrugada de que falo, uma moça surgiu de repente, egressa sabe-se lá de que escaninho enfumaçado do bar, e ficou bebendo conosco, e discutindo com vigor não recordo que assunto, até que alguém perguntou seu nome. Ela respondeu:
– Eu sou a Madalena.
E, como se fosse combinado, a mesa inteira gritou em coro um verso escrito por ninguém senão Ivan Lins:
– Ô, Madalena! O meu peito percebeu! Que o mar é uma gota! Comparado ao pranto meu!
E, em seguida, caíamos numa gargalhada uníssona.
Éramos muito bobos. Felizes, talvez, mas bobos, decerto.