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Nosso problema continua sendo a monarquia. Nunca deixou de ser. Mas não estamos sozinhos no drama. Mesmo povos antigos, como os franceses, ainda se repoltreiam nesse mal.
Os ingleses, de longe o povo de mais aguda inteligência política do planeta, é que resolveram bem a questão. Em meados do século 17, eles já estavam decapitando um rei, Carlos I. Aconteceu, então, algo simbólico: depois que a cabeça coroada foi separada do corpo, eles a grudaram ao pescoço novamente, costurando-a com critério a fim de providenciar o sepultamento. Era a primeira vez que se fazia isso em uma execução.
Transcorrida uma natural fase de terror, protagonizada pelos revolucionários, foi o que se deu na Velha Álbion: a monarquia foi restaurada, mas, como o corpo de Carlos I, só nas aparências.
Os ingleses compreenderam que o ser humano anseia por reis, protetores e pais. Essa figura paterna é cara ao homem comum. Então, numa concessão à psique coletiva, os ingleses cederam essa imagem de adoração ao poviléu, deixando a administração livre para os políticos profissionais.
Quando vieram para os Estados Unidos, os ingleses entenderam que poderiam fazer diferente. Poderiam começar do zero. Num lugar distante, que nunca foi habitado por reis, eles construíram um sistema oposto à monarquia de Luís XIV, que apregoava: "O Estado sou eu". Para os americanos, o corpo do Estado é formado por eles mesmos. O Estado são os cidadãos. Assim, eles gastam menos tempo exigindo e mais tempo fazendo. Funciona. Graças ao engenho político inglês.
No Brasil, com seu povo de alma monarquista, o Estado está sempre fora do cidadão. Está sempre acima dele. Não é por acaso que Roberto Carlos, Pelé e Momo são reis, que Xuxa foi rainha e que nossos governantes residem em palácios. Nós precisamos de reis e da nobreza que os cerca. Os Pedros foram imperadores, Getúlio foi rei, os generais-ditadores foram reis, Lula ainda é rei para seus crentes. E, em Brasília, viceja a corte de deputados, senadores e ministros. Fidalgos e aristocratas, eles se acham especiais e por muito tempo foram vistos como especiais.
Há quem ainda os veja assim. Existe, no Brasil, a ideia de que a democracia é voto. Não é. O voto é um instrumento da democracia.
A democracia é o império da lei. Quando a lei é igual para todos, quando não há fidalgos e aristocratas, há democracia.
No famoso debate entre Moro e José Eduardo Cardozo, ocorrido em Londres, ouvi uma intervenção desmiolada de uma estudante que criticou a "interpretação ortodoxa da lei" feita pelo juiz. Segundo ela, a escravidão também esteve na lei, o que prova que a lei pode estar errada. Por esse raciocínio, não faria diferença a escravidão continuar na lei. Afinal, a interpretação teria de ser "heterodoxa"...
Sim, a lei pode estar errada. Que seja corrigida, se estiver. Mas, enquanto não houver correção, que seja cumprida. Só a lei iguala os homens. Nenhum rei, ditador ou defensor dos pobres o fará. Porque não pode e porque não quer.
Os fidalgos e aristocratas brasileiros pedem reforma política. Ela está sendo feita. Pela Justiça e pela polícia. Pela lei. O fim da impunidade é a melhor reforma política.
Lula se queixa de conspiração. Dilma se queixa de conspiração. Temer se queixa de conspiração. Aécio se queixa de conspiração. Presidentes ou candidatos a presidentes. Reizinhos. Acham-se intocáveis. Não são. A lei os está alcançando, no Brasil. Viva o Brasil. Morte ao rei.