O Zé Pedro estava certo.
O Zé Pedro Goulart, além de possuir talento invulgar, além de ser cineasta, produtor e jornalista de sucesso, além de tudo isso, é dono de uma inteligência aguda e, ao mesmo tempo, suavemente amarga, o que só torna a convivência com ele mais interessante.
A suave amargura a que me refiro não é bem pessimismo, é mais uma desconfiança que o Zé Pedro tem. E não é que desconfie tanto das pessoas; ele desconfia do destino. Um cético.
O Peninha diz que, no jogo do Grêmio, o Zé Pedro é o asa-negra. O Grêmio está jogando bem, marca um gol e o Zé Pedro lamenta:
– Pronto, agora eles vão recuar. Esse gol estragou o jogo.
Só que, pendurado ao pessimismo, o Zé Pedro carrega um romantismo que até parece contraditório, mas na verdade é complementar.
Um cético que sonha, imagine o absurdo.
Mas é isso mesmo.
Por ser sonhador, o Zé Pedro sempre acreditou no Douglas, enquanto eu duvidava. Porque o Douglas é o próprio romantismo do futebol. É um meia clássico, camisa 10 de álbum de figurinha.
De Beckenbauer, o Kaiser, dizia-se que não sabia qual era a cor da grama, porque nunca olhava para baixo quando jogava. Didi, o Príncipe Etíope, orgulhava-se de jamais ter pisado em cima da bola, porque sempre a tratou com carinho de amante. Douglas é uma mescla dos dois.
Tempos atrás, quando ia criticar o Douglas, eu dizia que ele queria ser Rivellino. Bem. Douglas conseguiu. Com Renato de técnico, Douglas é um Rivellino do século 21. Ou o que mais se aproxima disso, porque fazer o que Rivellino fazia não é bem assim.
A rivellinice de Douglas está na forma como ele joga no Grêmio, portando-se como centro técnico do time, dando não passes, mas pinceladas de mestre impressionista. O time inteiro gira em torno de Douglas. Hoje ele faz uma função que parecia extinta, a do regente de meio-campo, o homem que, com a batuta calçada com chuteira, determina o ritmo da partida.
Esse jogador é de um tempo que não existe mais, um tempo em que lateral marcava ponta, em que zagueiro que se prezava não ganhava Belfort Duarte, em que centroavante só jogava dentro da área, em que as avós faziam bolinho de chuva no inverno, em que as crianças calavam quando os adultos falavam e em que a palavra de um homem não voltava atrás. A não ser que ele estivesse errado. Eu estava errado. O Zé Pedro estava certo. Grande Zé Pedro.