Cruyff era chamado de "Pelé branco". Quem o viu jogar, sabe que não se tratava de exagero. Embora fossem jogadores diferentes, colocar um dos dois em um time significava fazer daquele time um vencedor.
Como Pelé, Cruyff veio de família pobre. Era filho de uma faxineira do Ajax, de Amsterdã. Aí outra semelhança com Pelé: Cruyff torcia para o Ajax tanto quanto o Rei sempre torceu para o Santos.
Cruyff e Pelé eram capazes de jogar em qualquer posição. Pelé, no entanto, gostava de ficar nas proximidades da grande área inimiga, enquanto Cruyff vinha do campo de defesa com uma velocidade na condução da bola que desnorteava os adversários.
Em parceria com seu mestre, o técnico Rinus Michels, Cruyff inventou um novo tipo de futebol. Aquela seleção da Holanda de 1974, o Carrossel, a Laranja Mecânica, aquele time deixou o mundo tão confuso quanto os zagueiros que a enfrentavam. Como eles conseguiam fazer aquilo? Eles estavam em toda parte, o tempo todo.
Há uma cena antológica ocorrida no jogo contra o Uruguai. O meia-esquerda uruguaio Pedro Rocha, camisa 10 do São Paulo, era um jogador clássico, no estilo dos velhos meias pensadores de jogo. Num lance no meio do campo, a bola veio alta e Pedro Rocha estufou o peito a fim de dominá-la. Ela tocou na camisa celeste e, quando Pedro Rocha abaixou a cabeça para vê-la chegar aos seus pés, ela já não estava mais lá. Uma horda de jogadores de camisa laranja havia tomado a bola e praticamente passado por cima da defesa uruguaia, em direção ao gol.
Todos queriam jogar como a Holanda, naquele tempo. Alguns quase conseguiram. No Brasil, o Inter atuava em estilo parecido. O quarto-zagueiro Marinho Perez, que estava na Seleção Brasileira, trouxe para o Beira-Rio algumas das lições que aprendeu na Copa. Uma delas, a tática do impedimento. Marinho ou Figueroa gritavam uma palavra de ordem, “amarelo!”, “bentevi!”, e todos os jogadores do time corriam em direção à intermediária, deixando três, quatro ou cinco atacantes impedidos.
O Inter conseguia reproduzir algumas estratégias da Holanda porque tinha jogadores com inteligência e saúde para tanto. Aliás, essa é uma diferença básica entre Cruyff e Pelé: a saúde. Pelé era um atleta perfeito, cuidava do corpo porque sabia que aquele era seu instrumento de trabalho. Cruyff fumava uma carteira de cigarros por dia. Era tão viciado que, nos intervalos das partidas, fumava um cigarro. Há fotos dele levando uma taça de campeão numa mão e um cigarro na outra.
Não fosse o cigarro, Cruyff certamente teria o título que lhe faltou, de campeão do mundo pela Holanda. Sua única Copa foi a de 1974.
Era para a Holanda ser campeã, mas o inimigo na final também tinha seus méritos: era a Alemanha de Beckenbauer. No primeiro minuto daquele jogo inesquecível, Cruyff recebeu a bola no grande círculo e investiu ferozmente pelo centro do campo, rumo à área, onde foi derrubado: pênalti. Um a zero para a Holanda. Estava dando a lógica. Só que a Alemanha sabe como enfrentar esse tipo de situação. Vogts se encarregou de fazer em Cruyff uma das mais duras e atentas marcações individuais da história das Copas, o Pelé branco não teve liberdade para jogar e a Alemanha se tornou campeã.
Há quem diga que Cruyff estava desatento porque, na véspera da partida, travou uma violenta discussão com sua esposa, que descobrira a respeito de certas festinhas ocorridas na concentração.
Seja como for, o fato é que na Copa seguinte, na Argentina, Cruyff não estava mais jogando bola. Preferiu se aposentar. E é certo que o vício do fumo teve o seu papel nessa melancólica decisão. Foi o cigarro, também, que o matou precocemente, aos 68 anos, de câncer. Como o próprio Cruyff disse um dia, tudo na vida tem um fim. Só que nisso ele não estava totalmente certo. Porque, para um gênio, a vida acaba, mas sua obra fica. Para sempre.
Futebol de luto
David Coimbra: Cruyff, um "Pelé branco"
O holandês e o brasileiro eram capazes de jogar em qualquer posição
David Coimbra
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