Desde que deixou o comando da Petrobras, no ano passado, em meio à crise provocada pela greve dos caminhoneiros, Pedro Parente tem se mantido um pouco distante dos grandes temas nacionais. Em junho, o diretor-presidente global da BRF mergulhou na tentativa de tirar da crise a companhia, umas das maiores do ramo de alimentos do mundo. Segundo ele, isso deverá ocorrer a partir do ano que vem. Sete meses depois de deixar a petrolífera e voltar para a iniciativa privada, o executivo reafirmou a convicção na política de preços de combustíveis e falou sobre a expectativa com o governo Jair Bolsonaro.
Como está o trabalho de recuperação da BRF?
A rotina é diferente em relação a minha posição anterior, na Petrobras. Mas ainda assim é bastante intensa. No ano passado, a BRF passou por vários problemas, foi quase uma tempestade perfeita para a empresa. Na verdade, começa em dezembro de 2017, quando os russos fecham o mercado para a importação de suínos vindos das plantas brasileiras.
Depois, há as questões relacionadas à governança de empresa, a Europa fechando o mercado para as aves brasileiras, tanto frangos quanto perus. Depois, a greve dos caminhoneiros e a Operação Trapaça, o preço do milho subindo bastante. É uma combinação muito dura para qualquer empresa, mas a BRF tem uma coisa que poucas companhias têm no Brasil: as marcas Sadia e Perdigão, que têm o carinho da população. Isso ajudou bastante a passar por esse período. Estamos em processo de recuperação. Não é rápido. Estamos caminhando na direção correta.
O quanto a recuperação da empresa depende da melhora econômica do país?
Dentro da nossa visão estratégica, o que queremos é que o Brasil e as nossas vendas no mercado doméstico sejam espelho da operação da BRF. Como a gente acabou de ver no que aconteceu com a decisão da Arábia Saudita, embora a repercussão para a BRF não tenha sido material sob o ponto de vista da receita, para outras empresas (o impacto) foi muito importante. Precisamos ter a tranquilidade de que não importa o que aconteça lá fora, o que a gente tem de resultado e de vendas dentro do país sustenta a empresa. Portanto, o que acontece no Brasil é fundamental. Quanto melhor é a situação do país, o crescimento econômico e a expectativa das famílias e das empresas, isso tudo gera um quadro positivo em que as famílias, especialmente as de menor renda, passam a consumir mais proteína animal.
Quais as expectativas em relação ao governo Bolsonaro?
Vejo com bastante aprovação a manifestação de intenções por parte da área econômica (do governo) no sentido amplo, incluindo o Ministério da Agricultura. Tive a oportunidade de estar algumas vezes com a ministra (Tereza Cristina) e uma vez com o ministro Paulo Guedes, e vejo que as manifestações vão na direção correta. Em primeiro lugar, realizar reformas essenciais e que destravam esse peso que o país tem para voltar a crescer. A situação fiscal é muito grave. Sob o ponto de vista das intenções e manifestações, total aprovação. A grande questão é a capacidade do governo de ver essas reformas aprovadas no Congresso.
Haverá condições políticas para aprovar reformas?
Essa é a grande interrogação. Creio que vá, até porque, sob o ponto de vista da reforma previdenciária, é difícil encontrar, se não impossível, quem não concorde que é absolutamente necessária essa reforma. É claro que, quando se vai aos detalhes, começam as divergências, cada um tem sua ideia e maneira de resolver.
A sinalização de Bolsonaro de que pretende mudar a embaixada do Brasil de Tel-Aviv para Jerusalém desagrada ao mundo árabe. Qual sua opinião?
Tem dois tipos de preocupações. Uma é mais estrutural, que diz respeito ao fato de que países que passaram por guerras têm grande preocupação com a segurança alimentar. Aqui não estamos nos referindo à qualidade dos produtos, mas à garantia do suprimento de alimentos. Os países que têm essa preocupação de maneira mais crescente estão trabalhando para que exista participação maior da produção de alimentos dentro do próprio país. Por trás da decisão da Arábia Saudita, pode ter alguma coisa nessa linha. Não estou dizendo que tenha, mas não ficaria surpreso que se concluísse que a decisão da Arábia não tem a ver diretamente com o tema do manifesto desejo das autoridades brasileiras de transferir a embaixada em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém.
Tem essa preocupação mais estrutural, mas também medidas disfarçadas, de natureza ligada à qualidade dos produtos, que no fundo são medidas de natureza puramente protecionistas. A gente sabe o quanto a Comunidade Europeia e em, alguns casos, os próprios americanos protegem os seus produtores, inclusive com uma posição que não é sob o ponto de vista econômico, a melhor posição.
Qual é o futuro da Petrobras?
Quando saí, era uma empresa completamente diferente do que quando cheguei: em franca recuperação, com indicadores de segurança extraordinários, com endividamento em queda, cumprindo metas, voltando a pagar dividendos para os seus acionistas, entrando em leilões, voltando a investir com muito projeção internacional, fazendo parcerias com as maiores e mais respeitadas companhias do mundo. As bases de crescimento da empresa e de resultados positivos estão estabelecidas, mas evidente que tem questões importantes, que a gente já tinha começado a endereçar, como o virtual monopólio no refino. Ninguém investe para produzir um produto que não sabe a que preço vai poder vender. Por que ninguém investe em refinaria no Brasil se é livre para investir? Porque é um investimento muito caro e os eventuais interessados, os investidores, ficam olhando e pensam: será que no futuro não pode acontecer o que aconteceu no passado? Tem questões importantes, talvez a mais relevante do ponto de vista estrutural, e que a empresa já tinha começado a endereçar em seu planejamento estratégico, é o fato de que a indústria de óleo e gás enfrenta desafios tanto do lado da oferta de petróleo quando do lado da demanda.