Neste segundo turno, o economista e professor Eduardo Giannetti da Fonseca dedicou-se a estudar o processo de divisão profunda da política e encontrou na história momentos que coincidem com o Brasil que ele enxerga hoje. Giannetti foi o responsável pela elaboração do programa de governo na área econômica da candidata à Presidência Mariana Silva (Rede) nas campanhas deste ano e de 2014 e é autor de livros que analisam a política e a economia do país.
Como o senhor avalia o cenário político atual às vésperas da eleição?
Estamos vivendo um processo de polarização raivosa em que o espaço para a moderação e para o centro praticamente foi eliminado na política brasileira. Tenho pesquisado a ocorrência desse tipo de fenômeno na história recente no mundo ocidental e ele é recorrente. O Brasil não tinha vivido até hoje situação desse tipo, mas agora aconteceu entre nós. Exemplos que têm essas características são fatos como a Revolução Francesa, a Guerra Civil americana, o enfrentamento entre bolchevismo e nazismo e a República de Weimar na Alemanha nos anos 1920, que acabou desembocando nos terríveis acontecimentos da II Guerra Mundial. É lógico que tudo isso tem de ser olhado com o contexto brasileiro, mas a dinâmica desse processo de polarização raivosa é da mesma família, tem parentesco com situações desse tipo. Estamos vivendo um processo de radicalização em que dois grupos polarizam a política na sociedade e buscam um a destruição do outro, correndo o risco de destruir a própria democracia.
Como se chegou a esse ponto?
Certamente, fatores de primeira ordem foram PSDB e PT, que fizeram a liderança do processo de redemocratização do Brasil. Embora compartilhando muitos pontos de propostas e projetos de sociedade, jamais foram capazes de trabalhar de forma conjunta quando tiveram a oportunidade de exercer o poder. Ao contrário: os dois preferiram aliar-se ao que há de mais sinistro na política brasileira do que juntar esforços para modernizar a sociedade, reduzir a desigualdade e encontrar um caminho de crescimento saudável para o país. Essa falta de cooperação entre as duas forças foi fator fundamental para a falência que estamos assistindo agora. Incluo como fator de primeiríssima ordem também as revelações da Operação Lava-Jato, que escancarou de maneira incontornável a degradação das práticas políticas no Brasil e compreensivelmente levou descrédito a todo o establishment político e a todos os partidos institucionalizados. Todas as lideranças reconhecidas da política ficaram muito desacreditadas, compreensivelmente, depois de tudo que a Lava-Jato revelou para a sociedade. E, por fim, nesse mesmo processo que desemboca na polarização raivosa, a incompetência épica do governo Dilma na economia, que produziu a pior recessão da história econômica brasileira.
Quais serão os desafios imediatos do próximo governo?
Vejo duas grandes questões que me inquietam. A primeira delas é política. Até que ponto as instituições vão suportar um líder com as características autoritárias e de voluntarismo do candidato Jair Bolsonaro (PSL), que provavelmente vencerá as eleições? Ele é um fenômeno parecido com Donald Trump, de certa maneira, pelas suas características e pela sua condição de outsider, mas em um país em que as instituições e o sistema de pesos e contrapesos não têm a solidez das instituições dos EUA. Vejo com muita preocupação o risco institucional para a democracia brasileira em um governo Bolsonaro. A segunda grande questão, que é central também e da qual depende a questão institucional-política, é o simples fato de que estamos em situação econômica muito delicada. Se o próximo governo não agir de forma crível no endereçamento do nosso desequilíbrio fiscal, o Brasil caminha para o colapso financeiro ainda no primeiro ano do próximo mandato.
Vejo com muita preocupação o risco institucional para a democracia brasileira em um governo Bolsonaro.
O que aconteceu com Marina Silva?
Este ambiente de polarização raivosa não dá espaço para uma candidata com os atributos e as características da Marina. Nenhum. Ela é uma pessoa de diálogo, serenidade, proposição, apresentação de ideias e programas, inclusive falando coisas que são duras e difíceis de apresentar para a população, que são necessárias neste momento da economia brasileira. E o espaço dela simplesmente desapareceu. Ela ficou muito marcada por uma imagem que, no meu entendimento, é incorreta, que é de fragilidade. Na verdade, ela é uma pessoa que se recusa a entrar nessa polarização binária burra e raivosa de “nós contra eles” e de salvadores da pátria. No final da campanha, ficou muito claro que a chance dela era pequena e houve movimento em massa de voto útil, capturado principalmente por Ciro Gomes (PDT).
Considerando a crise econômica originada no governo Dilma Rousseff, causa surpresa que o PT ainda tenha condição de polarizar a campanha presidencial?
Por trás dessa conquista do PT, de estar no segundo turno, está fundamentalmente o carisma pessoal do ex-presidente Lula que, mesmo na prisão, conseguiu manter-se presente nas pesquisas de intenção de voto, mostrou que tinha forte adesão do eleitorado, que tem uma memória boa do período em que ele era presidente e não entende o governo Dilma como uma escolha que o próprio Lula fez em relação à sua sucessão. Um dos aspectos da nossa polarização é a divisão entre petismo e antipetismo. São dois grupos que há muito tempo vêm se desenhando e que, agora, estão se enfrentando de maneira provavelmente definitiva, colocando em risco a democracia brasileira. Os paralelos com o processo de polarização que ocorreu na República de Weimar nos anos 1920, embora não tenha a mesma dramaticidade, são muito fortes. A coisa é muito parecida do ponto de vista da dinâmica, de enfrentamento entre grupos políticos com total desaparecimento da possibilidade de centro. No caso de Weimar, você teve uma cisão no campo da esquerda, entre comunistas e social-democratas, e você teve uma elite financeiro-industrial alemã que via em Hitler a única chance de barrar a ascensão dos bolchevistas, com a ideia ilusória dessa elite de que elegeriam Hitler, financiando-o, e, depois que ele fosse eleito, o domesticariam.
O senhor já está escrevendo sobre esse período?
Não. É simplesmente o meu desespero como cidadão para estudar esses assuntos, porque estou muito curioso em entender como acontece de uma sociedade se dividir dessa maneira e qual é a dinâmica que tende a prevalecer quando se instaura essa polarização raivosa. É quase como uma tragédia em que os atores se veem arrastados para cenários que eles não tinham a intenção de produzir. Nunca imaginei estar considerando que o risco institucional de um governo Bolsonaro é maior para a democracia do que o de um governo petista.
É lamentável que tenhamos chegado a isso, mas é o fato. Muito a contragosto, para evitar o risco institucional que me parece sério, vou votar no Fernando Haddad.
EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA
Economista e professor
O senhor segue o posicionamento da Marina?
Marina declarou apoio crítico e a minha posição não é muito diferente da dela. Para mim, o que é fundamental neste momento é qual dos dois candidatos põe mais em risco as instituições e o estado democrático de direito no Brasil. É lamentável que tenhamos chegado a isso, mas é o fato. Muito a contragosto, para evitar o risco institucional que me parece sério, vou votar no Fernando Haddad (PT).