A intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro voltou a alimentar o debate sobre o papel dos Estados no combate à criminalidade. Os governos estaduais reclamam da falta de uma política nacional na área, além das dificuldades financeiras. O último plano com eficiência reconhecida implantado no país foi o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), que, entre 2007 e 2010, contou com investimento de mais de R$ 3,5 bilhões. À frente da iniciativa durante o governo Lula, o gaúcho Ricardo Balestreri hoje é secretário de Assuntos Estratégicos do governador Marconi Perillo (PSDB), em Goiás. Ele lamenta o desmonte do programa que, em um ano, fez caírem os 12 principais índices que medem a criminalidade.
Se o Pronasci produziu bons resultados, por que foi abandonado pelo governo?
Aquilo foi um erro, e eu o lamento muito. Foi o primeiro e único programa de segurança pública pensado para o país que não se preocupava apenas com a repressão ao crime. Tinha ações enérgicas dos policiais, mas também ações preventivas, de geração de emprego e renda. O Pronasci previu uma série de políticas que passavam até pela recuperação de praças no meio das comunidades com índices mais altos de violência. Entre 2008 e 2010, os índices de criminalidade pararam de crescer. Foi o único período recente da história do país em que isso aconteceu. Não era perfeito, mas era eficiente e produziu resultados.
Por que foi abandonado?
No Brasil, nós carecemos de política de Estado. Mas tem uma coisa mais grave ainda: carecemos de política de governo. Falo isso como técnico, e não como político. Não sei o motivo, mas, em 2010, quando terminou o governo Lula e assumiu a Dilma, o Pronasci foi esfacelado em seis meses. De maneira truculenta, o governo acabou com um programa que vinha apresentando resultados. Pior: nada foi colocado no lugar para fomentar a política de segurança brasileira.
O que, na sua opinião, havia feito o Pronasci funcionar?
A receita (para a segurança pública) é a visão científica, técnica. O Brasil reluta em fazer um combate sério ao crime porque há muito populismo por aqui. Faz-se o discurso inflamado para angariar votos. A segurança não pode ser tratada assim.
RICARDO BALESTRERI
Secretário de Assuntos Estratégicos de Goiás
O trabalho a partir da premissa de que segurança não se resolve apenas com polícia. No Rio, por exemplo, atribuir o problema da segurança às UPPs é uma injustiça. Porque a Secretaria da Segurança carregou sozinha nas costas as UPPs, e os outros órgãos do Estado não fizeram nada. Onde foi parar o programa das UPPs sociais? Onde está tudo o que deveria ter sido implementado em termos de equipamento público? Praças, escolas, ações sociais? O erro foi entregar um programa dessa envergadura só na mão da polícia. E, mesmo assim, a polícia conseguiu ir longe. As UPPs só não foram adiante porque o Rio faliu. É preciso ter cuidado, essa é uma hora que se procuram bodes expiatórios, e o Brasil sempre faz uma discussão rasa sobre segurança. É fácil xingar as UPPs. O Pronasci trouxe uma visão multissetorial do tema. É polícia e é repressão, sim. Mas é também prevenção primária, inclusão social e emprego.
Essa visão multissetorial é a receita?
A receita é a visão científica, técnica. Segurança não se faz com discurso inflamado, com emoção ou bravatas, mas com inteligência. Hoje, não se pode combater o crime como se fazia há 15 ou 20 anos. O crime está mais articulado, bem estruturado. O Brasil reluta em fazer um combate sério ao crime porque há muito populismo por aqui. Faz-se o discurso inflamado para angariar votos. A segurança não pode ser tratada assim. Outra coisa importante é remunerar os policiais adequadamente. A média salarial do soldado da PM, em Goiás, está em R$ 5.620.
Mas Goiás, como outros estados, tem um problema sério nos presídios, não?
É o problema mais grave do país. Os Estados precisam lutar pela autonomia do setor prisional, pois em muitos locais essa área ainda está vinculada à secretaria de Segurança. O sistema carcerário precisa de uma administração única, uma secretaria específica. É fundamental que essas duas áreas caminhem de forma separada. É uma norma internacional: quem prende não pode ser quem guarda.
A intervenção no Rio foi acertada?
Não havia mais como não intervir. O Rio ia chegar ao caos absoluto. E aí se corre o risco de se perder o controle total do Estado, com fenômenos econômicos e sociais que poderiam ser irreversíveis. Mas a intervenção não vai revolver o problema da segurança. Porque não se resolve segurança com ação tópica militar. Ações de caráter militar são apenas preventivas. O problema – e não sou daqueles que fazem o discurso sócio-paternalista da origem do crime, do coitado do bandido – é muito complexo. Passa por questões sociais. O Rio é caótico do ponto da vista da urbanização, com as favelas onde mal se consegue entrar, e não se entra porque não há condições urbanas. Estamos falando de uma população que foi abandonada pelo Estado. Onde isso acontece, a chance de florescimento do crime é muito grande. É preciso uma revolução social.