Numa madrugada fria e chuvosa de 2013, a Brigada Militar precisou retirar do caminho manifestantes pendurados em galhos de árvores que impediam o avanço da duplicação da Avenida Beira-Rio, na região do Gasômetro, em Porto Alegre. Era o último entrave para garantir a continuidade da obra, que previa também a reforma e ampliação da Praça Júlio Mesquita, conhecida como "Praça do Aeromóvel".
Naquela mesma tarde, seguiram-se debates furiosos na Câmara de Vereadores acusando a prefeitura da época de "derrubar árvores para tornar a cidade mais pobre do ponto de vista cultural, uma cidade em que o fluxo de veículos está acima do valor das pessoas". Quatro anos e meio depois, a Praça do Aeromóvel se tornou um dos locais mais bonitos da cidade. Tem uma área maior do que era a antiga praça, com mais árvores, está mais limpa e fica lotada em dias de sol. Um cartão-postal.
Movimento parecido de tentativa de impedir a evolução da Capital surgiu meses depois, com a proposta de ampliação do Hospital de Clínicas. Dinheiro não era problema.
O governo federal garantia a verba necessária para a transformação. Mas, para começar as obras que vão quase dobrar a estrutura do Clínicas, era preciso cortar árvores, nenhuma delas nativa. Em troca, o projeto previa a compensação ambiental
com o plantio de mais árvores em outro local. Mas isso não foi suficiente. Idealistas fizeram barulho e chegaram a redigir uma ação judicial para impedir a retirada da vegetação dali.
Qualquer atraso poderia colocar em risco a liberação dos recursos federais. Nesse caso, o movimento acabou sufocado por uma questão mais urgente: a construção de mais vagas em hospital que atende pelo SUS, que tenta resolver um problema histórico de Porto Alegre. Ainda bem, a ideia de preservar meia dúzia de árvores em detrimento de um novo hospital virou só um episódio inexpressivo no anedotário da cidade.
Agora o novo Clínicas está quase pronto e não se tem notícia de que a cidade tenha ficado "menos verde". Pelo contrário, Porto Alegre continua sendo, de longe, uma das mais arborizadas do país.
O transporte hidroviário no Guaíba é outro exemplo. Antes de operar regularmente, a empresa que explora o serviço passou anos tentando vencer a burocracia do Estado. Nessa espera, ofereceu-se para transportar de graça passageiros de Guaíba para a Capital. Era uma maneira de testar o serviço, calcular tempos de embarque e desembarque e captar a reação dos passageiros ao novo serviço. Tudo isso sem cobrar tarifa!
Não recebeu a autorização do governo do Estado à época. A explicação? Ficou perdida em algum escaninho do governo.
Nestes primeiros anos do século 21, Porto Alegre não foi derrotada só pela má gestão do poder público. Perdemos tempo demais com discussões ancestrais e sem futuro. Não acompanhamos o ritmo da evolução necessária para fazer da capital gaúcha uma cidade melhor.
As pessoas contrárias ao projeto do entorno do Gasômetro nunca se perguntaram se aquela obra poderia significar também o surgimento de uma nova área de lazer. O importante era se opor ao "avanço do rodoviarismo". Perderam-se tempo e dinheiro, e um projeto de revitalização quase foi por água abaixo em nome de uma causa sem sentido.
Nos debates sobre qualquer coisa que acontece na cidade, todos parecem ter uma solução perfeita para tudo. A verdade é que não há uma solução perfeita. Essa cidade não existe. Existe, sim, a possibilidade de uma cidade um pouco melhor, e Porto Alegre não consegue, sequer, atingir esse patamar.
Para evoluir, é preciso fazer sacrifícios, abrir mão, ceder e, muito possivelmente, desagradar opiniões. Alguém vai sair descontente. Basta reconhecer que uma avenida a mais não vai estragar a cidade. Em vez disso, pode trazer outros resultados que a melhoram – para todo mundo.
Idealizam uma cidade perfeita olhando apenas sob a perspectiva de cada um, com base na ideologia de cada grupo, sem se preocupar com a evolução para todos. Que em 2018 possamos chegar à maioridade nos nossos debates.