Desta vez o apelo foi público – mais ou menos, mutatis mutandis, como aquele sinal luminoso que o Comissário Gordon projeta no céu de Gotham City para pedir a ajuda de Batman. Nosso David Coimbra, há alguns dias, escrevia sua crônica "A grande final"; olhando pela janela o suave entardecer de Boston, lascou o primeiro parágrafo: "Eu era bom no jogo de botão. Não, cara, eu era muito bom no jogo de botão. Na verdade, como diria Gilmar Mendes, modéstia às favas: eu era o melhor no jogo de botão" – e aí estacou, subitamente cismado com aquilo que tinha escrito, como fez questão de explicar: "Aliás, isso me intriga: a fava é uma leguminosa, meio ervilha, meio feijão. Por que atirar alguma coisa no meio delas é o mesmo que atirar fora? Professor Cláudio Moreno, socorra-me nesta hora de dúvida!".
Pois aqui estou, caro David, em resposta à tua invocação, mas não sei se trago exatamente o que pediste. Posso esclarecer, em primeiro lugar, o porquê da tua estranheza: quando ouvimos uma frase qualquer, não indagamos por sua origem, porque sentimos que ela foi formada pela livre combinação de palavras que o idioma nos oferece. Quando, porém, encontramos uma expressão que claramente não é uma sequência construída pelo usuário individual, pressentimos que ela deve ter uma fonte histórica, o que nos leva a perguntar, então, de onde ela veio.
E aqui reside o problema. É relativamente fácil descobrir a origem de expressões consagradas em todo o Ocidente, como atravessar o Rubicão, o calcanhar de Aquiles, tomar a nuvem por Juno ou separar o joio do trigo, pois elas provêm do fundo cultural greco-romano e judaico-cristão. Todavia, a origem das expressões populares, formadas internamente no idioma, já é um tema que foge à ciência dos livros e dos dicionários, que, como muito bem observou Câmara Cascudo, jamais "alcança a interpretação popular, transmitida pela memória coletiva nas gerações, entre analfabetos, conservadores do patrimônio anônimo e cultural". Estas expressões raramente podem ser entendidas por uma simples análise dos vocábulos que as compõem; em outras palavras, elas não podem ser entendidas literalmente, porque adquiriram, ao longo de sua história, um significado próprio, muitas vezes inesperado, mas aceito e reconhecido pelo grupo.
Às vezes, é verdade, há uma ligação transparente com o sentido nativo de cada palavra, como, por exemplo, faceiro como pinto no cisco ou inadaptado como peixe fora d'água, em que a comparação é evidente. Em outros casos, as conexões originais vêm sendo esquecidas aos poucos, embora um estudo histórico possa recuperá-las, como virar o disco ("trocar de assunto"), pouco usada pelas gerações mais recentes, acostumadas ao CD de um só lado, e pelas recentíssimas, que só convivem com arquivos digitais. Mas o que dizer de burro como uma porta? Ou estúpido como uma taipa? Entendemos perfeitamente o que significam, mas não fica claro o que uma coisa tem a ver com a outra. É aqui que se enquadra a tua pergunta: para me livrar de um inoportuno, posso mandá-lo lamber sabão, catar coquinho, pentear macaco, chupar prego, caçar sapo ou ver se estou na esquina – todas elas operações ridículas ou impossíveis. Mandar o outro às favas (assim como plantar batatas), no entanto, não seguem a mesma linha, já que, como bem notaste, são ocupações nada inúteis ou depreciativas. Uma advertência final: vais encontrar, nesta arca de Noé da internet, vários parlapatões explicando solenemente o valor pejorativo da batata ou da fava, pois são incapazes de entender que a linguagem vai muito além da simples lógica. Eles não sabem que aceitar esse fato só aumenta nossa admiração e encantamento pela língua que habitamos.