Quem me escreve desta vez é Lauro K., de Blumenau, professor como eu, que está preparando um trabalho sobre o famoso Mílon de Crotona, seis vezes campeão olímpico, considerado o maior atleta da Antiguidade e visto por muitos como o precursor do uso de cargas sucessivas para o condicionamento físico. Diz ele: "Como, além da língua portuguesa, o senhor também estuda a Grécia antiga, escolhi o senhor como meu oráculo. Pode me explicar aquela história de que ninguém conseguia tirar uma granada da mão dele? Para mim, não faz sentido. A pólvora não foi inventada muitos séculos depois?".
Sim, prezado Lauro, a pólvora foi inventada mais de mil anos depois da morte de Mílon – e sim, posso explicar a história da granada, mas acho necessário, antes, deixar todo o mundo a par do que estamos falando aqui. Mílon foi uma espécie de Hércules de carne e osso, tão forte, diz Pausânias, que podia carregar nos ombros sua própria estátua, feita em mármore, em tamanho natural. As várias façanhas que lhe atribuem – grande parte delas, ao que parece, simples exagero dos fãs – tornaram-no uma verdadeira lenda, uma espécie de Chuck Norris do Mundo Antigo.
Uma das provas a que costumava se submeter era desafiar outros forçudos a tirar dele uma fruta que trazia na mão cerrada. Eles forcejavam em vão, até cansar; Mílon então abria a mão e exibia a fruta intacta – um exemplo magnífico de força e controle muscular. Ora, acontece que sua fruta preferida para essas exibições era a romã, até hoje muito abundante na Grécia. Aqui deve estar a raiz da tua dúvida: o oráculo, que tudo sabe, é capaz de apostar que aquela granada veio de alguma fonte em Espanhol que andaste consultando.
Os romanos costumavam usar o vocábulo malum ("maçã, pomo") também como sinônimo genérico para fruto. Assim, o marmelo era o malum cydonium ("fruto de Cidônia", uma cidade de Creta), o pêssego era o malum persicum ("fruto da Pérsia"), a laranja era o malum aurantium ("fruto dourado") e a romã era o malum granatum ou pomum granatum ("fruto com grãos"). De seu nome latino derivou-se o pomegranate do Inglês, o pomme grenade do Francês e o granada do Espanhol. Nós terminamos preferindo romã, uma das centenas de palavras que entraram no Português durante o domínio árabe da Península Ibérica.
Muitos séculos depois, o artefato bélico que chamamos de granada recebeu esse nome por analogia; no início, eram bombas de arremesso manual, fragmentárias ou cheias de projéteis que se assemelhavam, na aparência, ao conjunto de bagos que uma romã contém. Mílon, portanto, jamais chegou a ver uma dessas.
Acho que também gostarias de saber que o tom de escarlate do interior da fruta inspirou, do Francês grenade, uma cor característica que aportuguesamos como grená. Os puristas, como sempre, tentaram expulsar a palavra de nosso léxico, sugerindo que usássemos, em seu lugar – e aqui está uma boa comprovação do que eu disse – cor de romã ou cor de granada. Para encerrar, aproveito para informar aos amigos que neste fevereiro teremos a quarta edição da Grécia dos Mitos e dos Deuses – uma viagem pelos lugares mitológicos do Peloponeso, guiada por este seu criado.