Neste feriado em que se comemora o Dia dos Mortos, esta coluna aproveita para falar um pouco no Latim, uma língua morta que continua vivíssima para nós. Clóvis J., leitor de Florianópolis, vem perguntar sobre duas expressões latinas que encontrou em suas leituras: "Professor, a priori, habeas corpus e per capita eu costumo usar, mas anotei duas totalmente desconhecidas, a fortiori e non sequitur. Não sei o que significam, nem como se pronunciam. O senhor pode me dar uma mãozinha?".
Não sou especialista em Latim, caro Clóvis, mas essas expressões fazem parte do arsenal retórico de quem escreve em qualquer língua ocidental e sou obrigado, portanto, a conhecê-las. A fortiori (diga "a forcióri") é parte da expressão a fortiori ratione, que significa "por causa de uma razão mais forte", ou seja, "com muito mais razão". Traduz-se mais ou menos como "se aceitamos a verdade daquilo, então mais razão temos de aceitar a verdade disto": "Nos países em que a pornografia é considerada ilegal, a pornografia infantil é, a fortiori, proibida e punida severamente".
Já non sequitur (diga "non sécuitur") significa, literalmente, "não se segue"; nela podemos facilmente perceber a presença do verbo sequo, avô de tantas palavras no Português: sequência, sequela, séquito, sequaz, entre outras. Na Lógica, de onde a expressão proveio, designa um tipo de argumento defeituoso (é uma falácia, portanto) em que as inferências ou conclusões não resultam logicamente das premissas apresentadas. É sempre uma expressão de crítica, de reprovação ao raciocínio de alguém, e não se espante se a pessoa acusada de cometer non sequiturs ficar infeliz (ou furiosa!) com o comentário.
Vou dar dois exemplos – um do nosso século, o outro do séc. 16. O primeiro aparece muito nas discussões sobre o aquecimento global: ninguém, em seu são juízo, contesta o fato de que a Terra está ficando mais quente; a verdadeira questão é determinar se esse fenômeno faz parte do eterno ciclo do planeta ou se foi causado pelo homem. Quem defende a hipótese dos ciclos vai classificar de non sequitur afirmações do tipo "a temperatura da Terra está aumentando, e por isso todos os países devem fazer o máximo esforço para evitá-lo" – ou seja, uma coisa nada teria a ver com a outra.
O segundo exemplo, bem famoso até, aparece num dos primeiros textos de descrição de nossa terra: Pero de Magalhães Gândavo (há quem prefira Gandavo, rimando com centavo), em seu Tratado da Terra do Brasil, escrito ainda no século do Descobrimento, diz que a língua falada por nosso índio não tinha F, L ou R – "cousa digna de espanto, porque assim não têm Fé, nem Lei, nem Rei". Como se dizia no meu tempo de ginásio, o que tem a ver o cós com a calça?
Não poderia encerrar sem reforçar, mais uma vez, a importância do Latim para a nossa cultura – principalmente para nós, falantes do Português, uma das filhas mais velhas da mãe latina (aquela história de que seríamos a "última flor do Lácio" é invenção do Olavo Bilac). Ele sempre será útil. Devo ter lido em Câmara Cascudo a história do padre que oficiava o batismo falando ao mesmo tempo em vernáculo e em Latim. Um dos padrinhos estranhou a prática: "Ninguém aqui sabe Latim, padre!" – ao que ele respondeu: "Mas o Diabo sabe!".
*Cláudio Moreno, escritor e professor, escreve quinzenalmente às quintas-feiras.