Na coluna anterior, atendendo a um apelo direto da Rosane de Oliveira (sua crônica se intitula "Tipo assim, professor Moreno?"), comentei – mas não comemorei – a inegável ascensão da palavra tipo no discurso falado, onde vem substituir, com perigosa facilidade, construções clássicas de comparação como "mais ou menos", "como se fosse", "foi como se", "algo assim como" e muitas outras que a língua nos oferece. Reconheço que ela é prática (afinal, por que carregar um chaveiro completo, se essa chave passe-partout consegue abrir todas as portas?), mas não gosto dela, assim como não gosto de qualquer mecanismo redutor que despreze as sutilezas e ignore as diferenças semânticas que nossa língua conseguiu entesourar ao longo de sua existência.
Como diz a própria Rosane, porém, não para por aí sua coleção de implicâncias linguísticas. O próximo item da lista é o uso desajeitado que a imprensa faz da palavra idoso: "Uma idosa de 61 anos foi atropelada". Por que isso? Vamos também chamar Caetano Veloso, Hillary Clinton e Catherine Deneuve de idosos? A resposta dos coleguinhas, diz ela, é sempre a mesma: a lei diz que qualquer pessoa com mais de 60 anos é idosa. Bom, Rosane, sou obrigado a dizer que essa é uma doença que só grassa nas redações de jornais: a confusão entre a linguagem particular da lei ou da ciência, técnica e específica, e a linguagem da imprensa, que deve ser universal. Na hora de relatar que uma mulher de 61 anos foi atropelada junto ao rio Guaíba, e que o adolescente que conduzia o carro foi preso por populares, o foquinha do jornal encontra mil justificativas (furadas) para trocar mulher por idosa, rio por lago e preso por apreendido. Preocupado, de boa-fé, em ser fiel ao léxico das leis, regulamentos, estatutos, tratados geográficos e o escambau –, ele acaba desfigurando a língua que todos nós usamos. Felizmente, esse mal passa com a idade, assim como as espinhas.
"Por fim, professor, me diga se sou obrigada a aceitar que os repórteres e comentaristas esportivos falem da tarde em que o Brasil perdeu da Alemanha". Sim, prezada Rosane, temos de aceitar – assim como temos de aceitar que há quem veja no Romero Britto um verdadeiro Rembrandt tupiniquim. Nada podemos fazer quanto a isso, a não ser resmungar (como eu vivo fazendo) contra a progressiva perda do bom gosto – mesmo sabendo que, como tu mesma dizes muito bem na tua crônica, o que fere meu ouvido pode ser música para o ouvido das gerações que vieram depois de mim.
Nosso Português tem centenas de verbos que admitem duas, três ou mais regências para o mesmo sentido, e a escolha feita por cada um de nós constitui, na verdade, nosso voto neste silencioso plebiscito que se chama língua culta. Eu também prefiro dizer que o Brasil perdeu para a Alemanha, e não da Alemanha, mas sou obrigado a reconhecer que o verbo perder, neste sentido, também pode se ligar a seu objeto pela preposição de – posição defendida por alguns gramáticos de respeito. Se serve como consolo, lembro que existe ainda a opção de usar a preposição com, a forma preferida pelos portugueses; no dia seguinte àquela tarde fatídica, os jornais da terrinha estampavam, como manchete: “Brasil perde de 7 a 2 com a Alemanha”.