Ainda não corremos risco de extinção (acho), mas nossa espécie vem sofrendo baixas crescentes nas últimas quatro décadas. Na oitava série – estou falando do final dos anos 1970, quando a expansão dessa milenar população ainda parecia fora de controle – éramos quatro, apenas na minha turma. Cláudia C., a que mantinha os lápis sempre bem apontados, Cláudia G., a que nunca repetia uma Melissa, Cláudia S., a que amava a fórmula de Bhaskara, Cláudia L., a que sempre se sentava na primeira fila (por temperamento, admito, mas também por miopia. Não me julguem).
No vestibular, eram salas inteiras só para nós. Cláudias roendo unhas, Cláudias batendo papo, Cláudias contando Cláudias que contavam Cláudias. Havia Cláudias disputando uma vaga na Engenharia Mecânica, convencidas de que em um curso de maioria masculina finalmente se veriam livres das xarás. E Cláudias com sobrenomes ainda mais comuns do que o título da revista feminina mais popular da época, todas apostando em carreiras brilhantes que lhes garantiriam, enfim, uma identidade única e inconfundível: “Doutora Cláudia Silva da Silva, a primeira brasileira a receber um prêmio Nobel”.
Acostumadas, desde pequenas, a sermos identificadas por apelidos, diminutivos, sobrenomes e suas corruptelas (Laitanis, Laitana, Leitão…) e até pela ordem na chamada (“número 12, fecha já a matraca!”), e ainda assim sermos confundidas com nossas tocaias, nunca passamos adiante a piada do Mário – até por consideração. Ainda hoje, quando alguém pergunta para a minha melhor amiga “como anda a Cláudia?”, a resposta nunca é “está ótima”, “viajou” ou “adotou um gato”, mas “Que Cláudia?”. (Já tive até um marido que casou com duas Cláudias, uma de cada vez, por pura falta de criatividade.) Por sorte, nosso nome não rima com nada. Nesse sentido, tivemos mais sorte do que o Mário, mas a Xuxa, essa Maria da Graça disfarçada, conseguiu a proeza de nos transformar no meme da criatura sem noção: “Senta lá, Cláudia”.
Na última semana, finalmente aconteceu: uma Cláudia da nossa geração chegou ao poder. Formada em Física e com doutorado em engenharia de energia, Claudia Sheinbaum, presidente eleita do México, tem até um pedaço de Nobel para chamar de seu (em 2007, ela fez parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz daquele ano). Judia, não religiosa e de centro-esquerda, Claudia é a favor da solução de dois Estados para Israel e Palestina. Logo depois de votar, ela tuitou “Obrigada, Jesus, por me acompanhar”. Não foi populismo, mas gratidão verdadeira. Jesus, no caso, é o marido dela. Ter um nome comum, no fim das contas, pode até ser uma bênção.