A internet esculhambou com o 1º de abril. Não que o prazer cruel de fazer os outros de bobos tenha se tornado anacrônico de uma hora para a outra ou que as vítimas em potencial tenham se dado conta de que, eureka!, podem evitar o mico de embarcar em fake news aprendendo a checar informações (saiba como no final deste texto), mas porque hoje é quase impossível atravessar um dia inteiro conectado sem desconfiar, ou ter certeza, de que alguém está tentando nos passar a conversa. Nas redes sociais, todo dia é Dia da Mentira.
Quando eu era criança, o 1º de abril era apenas uma vez por ano e sempre me pegava desprevenida. Enquanto eu pisava nos astros distraída, pequenos gênios do mal que me pareciam mais ou menos normais durante o resto do ano exibiam na aplicação de trotes todo o talento que lhes faltava nas aulas de português e matemática. (Anotação mental: nem sempre mente melhor quem é mais inteligente.)
No Dia da Mentira, o trajeto do portão da escola até a sala de aula era um campo minado de pegadinhas. “Pode ir voltando pra casa já. Hoje não vai ter aula porque a professora de educação física e o amante foram atropelados por um caminhão da Coca-Cola quando saíam de um motel na Zona Sul.” E nem nos professores dava para confiar: “Prova surpresa valendo dois pontos na nota final. Escrevam tudo que sabem sobre o papel da Companhia das Índias Ocidentais no processo de colonização do Brasil”. Quando chegava a hora do recreio, ninguém acreditava em mais nada. Se o alarme de incêndio soasse, nenhuma criança ousaria arredar um pé. Estava instalado o que mais tarde seria chamado de “caos informacional”.
A cada novo espetáculo, público ou privado, de confiança traída, a cada nova decepção com a boa-fé presumida de alguém, morre um pouco a criança dentro de nós que acredita em tudo e em todos. Nós, brasileiros, aprendemos muito cedo a desconfiar dos outros. A era da pós-verdade nos apanhou sentados na janelinha do bonde do olho vivo, mas esse know-how todo não nos trouxe qualquer vantagem competitiva. Pelo contrário. Desconfiar de todo mundo, caminhar olhando pros lados com medo de ser feito de otário, pode parecer esperteza, mas é apenas mais um fardo que nos habituamos a carregar.
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As agências de checagem secam gelo todos os dias para que ninguém faça papel de bobo espalhando mentiras por aí. Na dúvida, consulte: Aos Fatos, Comprova, Estadão Verifica e Lupa. Para saber como preparar crianças e jovens para desenvolverem o espírito crítico no ambiente digital, acesse EducaMídia.