Há muitas maneiras de amar a prole alheia. Os filhos dos meus amigos mais próximos, por exemplo. Sinto por eles um carinho derramado, incondicional. Vale o mesmo para as amigas de infância da minha filha, para minhas ex-enteadas e para outras crianças que eu acompanho, desde pequenas, dentro e fora da família: crescem, saem de casa, saúdam o primeiro fio de cabelo branco, mas continuam pertencendo à tribo expandida dos meus curumins eletivos.
Em cartaz na programação do Festival Filmelier, Os Filhos dos Outros aborda a versão mais intensa e intrincada desse tipo de afeto. O filme da diretora belga Rebecca Zlotowski conta a história de Rachel (Virginie Efira), uma professora com mais de 40 anos, sem filhos, que se apaixona por um homem separado, pai de uma menina com quem ela passa a conviver.
Nada é mais desejado – e incerto – do que o amor de um enteado. Mesmo quando a convivência é diária, um vínculo desse tipo não se estabelece da noite para o dia. Avanços, recuos e expectativas frustradas, de ambos os lados, fazem parte do percurso, que não depende apenas das emoções e do comportamento da madrasta (ou padrasto) e dos enteados, mas também dos pais da criança e de como todos se sentem em relação ao novo arranjo familiar.
No filme, acompanhamos o progressivo envolvimento de Rachel com a enteada, do estranhamento inicial à consolidação de um sentimento que, em certa medida, torna-se independente do relacionamento com o namorado. É como se estivéssemos assistindo a um parto – não de uma criança, mas de uma espécie de maternidade contingente. Um laço tão genuíno quanto frágil, uma vez que, em caso de separação, não existe guarda compartilhada, visitas combinadas ou sequer a garantia, no caso das crianças muito pequenas, de que aquele amor vai tomar a forma de uma memória especial.
Assistindo a Os Filhos dos Outros fiquei me perguntando por que uma experiência tão profunda, compartilhada por tanta gente, é tão raramente retratada, de forma adulta, no cinema. Meu palpite é que esse é um daqueles assuntos que, por diferentes motivos, não atrai o interesse dos homens, que ainda são maioria atrás das câmeras.
Se aprendemos uma lição nos últimos anos, foi a de valorizar a diversidade de pontos de vista. Filmes como o de Rebecca Zlotowski mostram que quanto mais mulheres puderem decidir que histórias merecem ser contadas, mais evidentes vão se tornar as lacunas que sempre existiram – e continuam existindo.