O Dia da Independência dos Estados Unidos é comemorado com desfiles, jogos de beisebol, festas ao ar livre e, claro, fogos de artifício.
Apesar do ruidoso lobby dos cachorros, fogos de artifício ainda contam com a aprovação da maioria, suponho, mas a sensação é de que outras unanimidades nacionais, muitas delas até pouco tempo inquestionáveis, estão agora em disputa. Talvez os americanos ainda concordem que o 4 de Julho é uma data importante, mas está cada vez mais difícil chegar a um consenso sobre o significado de termos como “liberdade”, “direito” e “democracia”.
A recente decisão da Suprema Corte de retirar a proteção federal em relação ao direito ao aborto, além de contrariar a opinião da maioria, aprofunda uma divisão antiga que pode ser sintetizada em um único e bizarro paradoxo: a partir de agora, o que é considerado procedimento médico em um Estado pode ser punido com prisão no outro. Nessas circunstâncias, é difícil imaginar que neste 4 de Julho o conjunto da sociedade americana estará soltando fogos pelos mesmos valores e princípios.
As perspectivas para o nosso 7 de Setembro, infelizmente, são ainda mais desanimadoras. Faço parte da geração que cresceu considerando a data uma chateação. Nos anos 1970, quando eu era criança, o Dia da Independência era uma comemoração obrigatória (contradição em termos) que incluía discurso, bandinha e desfile militar. Mas é preciso reconhecer que nem mesmo a ditadura conseguiu transformar o 7 de Setembro em pretexto para a celebração da divisão nacional e do confronto. Mantinha-se uma certa compostura no salão.
Na atual versão de um governo militar, o 7 de Setembro tornou-se eletrizante, é verdade, mas pelos piores motivos. No ano passado, o presidente da República aproveitou a data para atacar os ministros do Supremo Tribunal Federal e vociferar ameaças de golpe. Sabe-se lá a que ponto pode chegar quando faltar pouco menos de um mês para as eleições. Na dúvida, STF e TSE já solicitaram proteção especial. Quando Nero está no comando da pirotecnia, nenhum fogo pode ser considerado de artifício.
Em 2023, há uma boa chance de o 7 de Setembro voltar a ser o espetáculo de previsibilidade e inócuo patriotismo com o qual todos estávamos acostumados. Que voltem os discursos, as bandinhas e os desfiles – desde que animados pela paz de espírito e respeitando o clima geral de feriadão. No futuro, o lamentável desleixo com a efeméride dos 200 anos da Independência será lembrado como a menor das incúrias. Melhor sorte nos 250, para quem ainda estiver por aí.