No início dos anos 1980, na antiga União Soviética, a escritora e jornalista bielorussa Svetlana Aleksiévitch começou a recolher depoimentos de ex-combatentes da II Guerra Mundial. Em um regime que sufocava qualquer manifestação que destoasse do patriotismo triunfante e laudatório, a jornalista queria contar a história da guerra a partir de personagens anônimos. Só não sabia exatamente como.
Foi então que topou com um livro chamado Eu Venho de uma Vila em Chamas, composto pelas vozes de pessoas comuns submetidas a situações excepcionais. “Achei o que estava procurando”, conta a ganhadora do Nobel de Literatura de 2015 no prefácio do seu livro A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985), coleção de depoimentos que transportam o leitor para a realidade menos épica do front. “O que nos parece mais interessante e próximo não são os grandes feitos e o heroísmo, mas aquilo que é pequeno e humano.”
Os relatos que a repórter Larissa Roso vem publicando em seu perfil no Twitter (@larissaroso) nas últimas semanas filiam-se à linhagem de narrativas que colocam o que é “pequeno e humano” sob uma lente de aumento - com a diferença de que estão vindo à luz enquanto os soldados ainda estão nas trincheiras e o número de baixas não para de crescer. Depois de passar quase um ano cobrindo a pandemia nas páginas de Zero Hora, Larissa entrou em férias justamente quando sua vila foi tomada pelas chamas: seu último dia de trabalho foi no final de semana em que metade do Estado entrou em bandeira preta. O bom senso sugeria que a repórter descansasse antes de voltar ao front da redação, mas Larissa não conseguiu. Usando as armas que tinha à disposição, a escrita e a escuta, decidiu voltar ao combate.
Narradas por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, as histórias que Larissa tem postado no Twitter colocam em primeiro plano os sentimentos que vêm à tona quando a morte deixa de ser uma abstração: o terror nos olhos de um paciente, as despedidas, a exaustão psicológica. O objetivo não é apenas comover os leitores, mas levá-los a agir - e reagir.
Muitos de nós talvez tenham, no futuro, a chance de transformar a experiência de viver em uma vila em chamas em memórias. Este é o momento de decidir se queremos ser lembrados como bombeiros ou como incendiários.