Há dois tipos de médicos: os que exercitam a medicina e os que praticam marketing (de si mesmos, de remédios ou de preferências ideológicas). O primeiro time inclui todos aqueles que vêm arriscando suas vidas para honrar a profissão. Na segunda categoria, estão os que não apenas trocaram a ciência pelo pensamento mágico, como se sentem autorizados a defender publicamente remédios e tratamentos sem eficácia ou segurança comprovadas. Em plena pandemia.
Garotos-propaganda de jaleco são nefastos por tantos motivos diferentes que é difícil manter a serenidade do raciocínio, mas vou tentar. Aqui vão cinco motivos por que os médicos que têm se comportado como animadores de torcida me tiram do sério:
1) Promovem a automedicação – Desde a invenção do esculápio, médicos alertam pacientes sobre os riscos de medicamentos usados sem orientação. O que Dr. Cloroquino faz? Manda todo mundo tomar o mesmo remédio – geralmente citando estudos fajutos e ignorando todos os outros.
2) Ferem a ética – O Conselho Federal de Medicina afirma que é proibido fazer propaganda de tratamentos não reconhecidos. Decisões dentro do ato médico em particular estão preservadas, mas fazer apologia de um remédio não comprovado, em lives ou redes sociais, é cruzar a linha eticamente aceitável.
3) Tiram o foco do que funciona – Todo mundo gostaria de acreditar em milagres, mas, por enquanto, o que funciona é ficar em casa quando possível, usar máscara e manter o distanciamento. Ao vender curas instantâneas, Dr. Cloroquino aumenta a probabilidade de mais pessoas ficarem doentes por não terem agido como deveriam para proteger a si mesmas e aos outros.
4) Malbaratam a ciência – Um médico que minimiza a importância dos rituais da ciência recorre a quê para formar sua opinião? A suas próprias convicções – e convicções podem ser enganosas. Para isso existe o método científico. Sabem o que a homeopatia, a fosfoetanolamina e a cloroquina têm em comum? Torcedores demais, evidências de menos.
5) Politizam a doença – Movidos por interesses insólitos, os presidentes do Brasil e dos EUA tornaram-se crentes de uma cura mágica. (O nosso, inclusive, queimou dinheiro público nesse altar.) Ao chancelar opiniões sem embasamento científico, muitas vezes por mera simpatia ideológica, médicos estimularam a politização de um assunto que deveria permanecer protegido das paixões, dos leigos e dos espertalhões.
Médicos que por arrogância ou ideologia minimizaram os efeitos da covid-19 ou fizeram propaganda de tratamentos não comprovados mais cedo ou mais tarde serão cobrados por suas ações. A começar pelos próprios colegas, que em sua grande maioria continuaram lutando para salvar vidas enquanto Dr. Cloroquino colocava as suas (e as nossas) em risco.