Bem pensado, bem escrito e oportuno. O manifesto publicado na semana passada na Harper’s Magazine, defendendo a livre circulação de ideias (“A letter on justice and open debate”), me representa.
O alvo do manifesto não é a extrema-direita e sua conhecida estratégia de minar a confiança em instituições como imprensa e universidades, mas o pensamento liberal (a esquerda norte-americana) e suas “boas intenções”. Ou seja: trata-se de fogo amigo. Escritores como Martin Amis, Margaret Atwood e Salman Rushdie, entre outros 150 signatários, apontam no texto o que parece óbvio para muitos de nós: a intolerância com o contraditório tem tornado o debate público irrespirável.
Nos últimos tempos, vimos universidades cancelando conferências, autores sendo banidos de editoras, jornalistas demitidos por publicarem artigos com posicionamentos controversos. “A livre troca de informações e ideias, vital para uma sociedade liberal, vem sendo atacada. Esperávamos isso da direita radical, mas a censura vem se espalhando amplamente também em nossa cultura: intolerância a visões opostas, linchamento público, ostracismo e a tendência de dissolver questões políticas complexas em certezas morais absolutas”, acusa o manifesto.
Não conheço todos os signatários da carta, mas imagino que a média de idade ultrapasse os 40 anos. Perspectivas geracionais nem sempre iluminam muito a conversa, mas é difícil deixar essa variável de lado quando o assunto é confiar ou não na justiça “espontânea” das redes sociais. O que comprova minha tese é o fato de tão poucas figuras públicas com menos de 30 anos parecerem preocupadas com castigos desproporcionais ou as eventuais injustiças causadas pela chamada “cultura do cancelamento”. Para essa geração, esse é o aquário onde sempre nadaram. Cancelar e apontar o dedo para os erros dos outros é arma e escudo. Uma forma de rebeldia, mas também de adaptação. Convivendo com uma espada que a qualquer momento pode desabar sobre suas próprias cabeças, muitos vivem tão angustiados com a possibilidade de também serem cancelados que mal têm tempo para se ocupar com a desgraça alheia – menos ainda com a qualidade do debate público.
Mesmo correndo o risco de soar demodê, continuo acreditando que nem todo mundo que pensa diferente é fascista e nem todos que erram merecem a guilhotina. Estou pronta para aceitar que isso talvez tenha mais a ver com o ano em que nasci do que com qualquer outra coisa. O que não significa que os que pensam como eu devam ficar acuados ou em silêncio enquanto o circo cancela o palhaço.