Se você fosse uma pequena telemaníaca no final dos anos 60, suas heroínas da TV se reduziriam a basicamente dois modelos femininos: o das donzelas e o das esposas. Feiticeiras, agentes secretas ou gênias saídas de uma garrafa, não importa: a função primordial das personagens de séries e novelas daquela época era correr atrás de um marido – ou cozinhar para ele.
Exibida entre 1970 e 1977, inclusive no Brasil, a série Mary Tyler Moore (batizada de As Solteironas em Portugal) mudaria a forma como as mulheres eram retratadas na televisão – e, por consequência, também o modo como as próprias mulheres viam a si mesmas. Apenas quatro anos depois de interpretar uma dona de casa à moda antiga em The Dick Van Dike Show (1961-1966), quando usar calças compridas em cena ainda era considerado uma pequena ousadia, e pouco menos de três décadas antes de o seriado Sex and The City (1998-2004) fazer sucesso abordando, sem pudor, as dores e delícias da vida sexual das mulheres solteiras, a atriz que morreu nesta semana, aos 80 anos, tornou-se o símbolo de uma nova era. A série que levava seu nome colocou em pauta, pela primeira vez no horário nobre da televisão americana, muitos dos temas que estavam vindo à tona com a liberação feminina: sexo fora do casamento, controle de natalidade, diferença de salários entre homens e mulheres, sexismo no ambiente de trabalho, homossexualidade. Mary foi a primeira "mulher moderna" da televisão – a irmã mais velha da nossa Malu Mulher, a mãe de Carrie Bradshaw, a avó de Lena Dunham.
Mary Tyler Moore, a atriz, fazia parte de uma geração de mulheres que chegou adulta, casada e com filhos à revolução sexual dos anos 60 – a maioria delas sem ter tido oportunidade de desfrutar da liberdade que suas filhas e netas conheceriam. Uma geração de mulheres – a da minha mãe – embretadas entre um passado anacrônico e um futuro ao qual não se encaixariam sem uma boa dose de esforço e coragem. Ao viver na TV uma balzaquiana solteira e independente, com um emprego bacana, um apartamento dos sonhos e muitos namorados, Mary Tyler Moore fez a ponte entre duas gerações muito próximas e muito distantes ao mesmo tempo.
Nós, as meninas que não sabiam nada sobre machismo ou feminismo naquela época, amávamos Mary por tudo o que ela tinha de diferente das nossas mães – o trabalho, o apartamento, a liberdade, o figurino. Muitas de nós, filhas de donas de casa convictas, descobrimos com Mary Tyler Moore que casar cedo, ter filhos e cuidar sozinha da casa não era o único enredo possível para uma vida feliz – muito menos o mais divertido.
Nada muda sem conflito e algum sofrimento, mas, às vezes, mudanças importantes acontecem enquanto estamos distraídos, rindo de uma boa piada. De forma tão leve, alegre e despretensiosa quanto aquele gorrinho de lã voando pro céu na abertura de Mary Tyler Moore.