Dois documentários que estrearam nos últimos dias na televisão nos convidam a pensar sobre a morte. Não a morte sem posfácio de pessoas como eu e você, fadados a sermos esquecidos, com sorte, depois de duas ou três gerações de descendentes, mas aquela das pessoas que contemplam a possibilidade concreta de permanecerem vivas, muito além da própria vida, através da arte.
No último sábado, estreou na emissora britânica BBC 2 o filme The Last Five Years, sobre os anos finais do ídolo David Bowie, que morreu no ano passado. Na segunda-feira, estreou na HBO brasileira o documentário Bright Lights, sobre a relação das atrizes Debbie Reynolds e Carrie Fisher, mãe e filha, que morreram, com um intervalo de poucas horas de diferença, no final de dezembro. Bowie encenou sua saída de cena em quase todos os detalhes, e o filme é o registro do seu último projeto artístico – a própria morte. Debbie e Carrie foram apanhadas pelo acaso: morreram, quase ao mesmo tempo, poucos meses depois de o documentário ficar pronto.
Quando lamentamos a morte de um ídolo somos confrontados com o contraste evidente entre a efemeridade da vida e a permanência da arte – vita brevis, ars longa. Ídolos envelhecem, adoecem e sofrem com as transformações do corpo, como todos nós, mas, como artistas, cumprem uma jornada paralela de extensão imprevisível. Alguns morrem, como ídolos, muito antes de morrerem fisicamente. Outros, mais raros, têm a sorte de permanecer produzindo e se reinventando até o fim. Há os que tomam a decisão de se despedir do público no auge da fama para se proteger da decadência ou desfrutar da liberdade de uma vida anônima, e outros que permanecem em cena, honrando o próprio legado ou como sombras do que foram, até que o último holofote se apague. Há quem seja reconhecido apenas depois de morto e quem faça sucesso em vida mas é ignorado pela posteridade.
Em Bright Lights, quase esquecemos que os nomes de Debbie Reynolds e Carrie Fisher estão gravados para sempre na calçada da fama de Hollywood. Nem todo mundo tem uma mãe que cantou com Frank Sinatra e dançou com Gene Kelly, mas muita gente sabe o que é sofrer com a decadência física dos pais ou tentar, à certa altura da vida, fazer as pazes com as mágoas de um passado comum. É um filme que nos comove pela frágil humanidade de personagens tão famosas.
Já em The Last Five Years o que impressiona não é a tragédia de um homem que morreu de câncer aos 69 anos, em pleno vigor criativo, mas a capacidade do artista de transformar os próprios medos em algo que o ultrapassa. É um filme sobre a transcendência da arte – e sobre o privilégio de compor um posfácio para a própria vida capaz de tocar tantas outras vidas também.