Nas provas de português dos meus tempos de escola, as questões eram divididas basicamente em duas partes. Na primeira, éramos convidados a demonstrar nosso domínio sobre a gramática. É verdade que entender os humores da crase e as idiossincrasias da concordância podia ser penoso, mas as regras estavam lá, disponíveis para quem se dispusesse a entender a lógica por trás da decoreba. O problema era a segunda parte da prova, aquela que atacava o estudante quando ele já estava esgotado pela gramática: a interpretação de textos.
Você podia ser já um projeto de leitor, daqueles que ganham livros "inspiradores" da madrinha de crisma, mas nada garantia que diante de um poema ou de um parágrafo de um romance seu repertório incipiente de leituras daria conta de metáforas e metonímias. A interpretação de textos podia aproximar o preguiçoso e o aluno nota 10, ambos igualados na dificuldade para entender o que, afinal, o poeta queria dizer quando lastimava a partida da primeira pomba despertada ("outra mais... mais outra... enfim dezenas"). Isso porque a interpretação de textos coloca a subjetividade do leitor para trabalhar, exigindo não apenas repertório de leituras, mas capacidade para distinguir o que está dito e o que não está. Para entender por que as pombas saíam em disparada e o que o autor estava querendo nos dizer com isso, era preciso, antes de mais nada, ler o texto até o fim. E depois voltar, reler, contextualizar – coisa que o aluno, mais apressado do que as pombas, nem sempre estava disposto a fazer.
É dramático perceber como a dedicação à leitura crítica nos tempos de escola (ou depois) pode fazer diferença em vários aspectos da vida digital nos dias de hoje, quando passamos boa parte do tempo interpretando textos: nas redes, nos serviços de mensagens, nos e-mails de trabalho, no xaveco virtual. A julgar pelos comentários apressados e julgamentos precipitados que se leem todos os dias, os adultos de hoje não são muito diferentes dos alunos dos meus tempos de escola e também não têm paciência para ler textos até o fim. Isso talvez explique boa parte da confusão e da dificuldade para tolerar o contraditório na nossa época.
Na vida real/virtual, onde tudo é texto e contexto, você é o que você lê. Ou acha que lê.