Lealdade é uma virtude que existe apenas em estado abstrato, como potência, até ser testada na prática. Ninguém sabe se é leal a uma pessoa ou a uma causa antes de ser colocado à prova. Qualidades como honestidade, coragem, generosidade, sinceridade e responsabilidade têm mais chances de serem convocadas a se manifestar no dia a dia. No trabalho, no supermercado, na escola ou em casa, é difícil atravessar um dia sem que se produzam evidências, pelo menos para quem está em volta, de que esses atributos nos faltam ou são abundantes sinais que, muitas vezes, por comodidade, as pessoas escolhem ignorar, justificando suas eventuais falhas com ginásticas de raciocínio.
Com a lealdade é um pouco diferente. Assim como não ficamos jurando lealdade o tempo todo, também não sentimos necessidade de cobrá-la quando está tudo em ordem - com exceção, talvez, dos amantes muito inseguros. Em repouso, a lealdade é uma espécie de poupança, um valor que não está disponível na conta-corrente, mas que acreditamos poder sacar em caso de emergência.
Os problemas acontecem quando a lealdade se faz necessária e faltam fundos para cobrir a conta. Quando juramos, em público ou intimamente, lealdade a um amigo ou a um amante estamos na verdade assinando um cheque em branco - ignorando as circunstâncias em que será descontado. E se esse amigo fizer algo que, por proximidade, afeta a nossa própria reputação? Ou se ele conquistar algo que buscávamos para nós mesmos, como uma vaga de emprego ou um interesse amoroso? E se um novo amor desafia a promessa de lealdade a um amor antigo? Haverá fundos para manter o compromisso e permanecer leal?
O contrário da lealdade é a traição, mas entre a lealdade absoluta e a traição mais torpe há muitas nuanças intermediárias. O amigo de um empresário que perde tudo estará sendo desleal se nunca mais procurá-lo - e um traidor se negar ajuda quando procurado. O homem que se apaixona pela mulher do melhor amigo pode, ainda assim, tratar o episódio com lealdade? O que é mais imperdoável: trair uma amizade ou um amor?
Estreia no próximo dia 24 de dezembro (curiosa escolha de data...) a nova versão cinematográfica de Macbeth (veja o trailer), a tragédia shakespeariana que ilustra de forma sangrenta como a lealdade pode se desfazer ao primeiro sinal de uma oportunidade nova. O general Macbeth é fiel ao seu rei até ser atiçado pela profecia de que um dia ele mesmo seria o novo monarca. Macbeth teria matado o rei se não tivesse sido seduzido pela hipótese de tomar o seu lugar? Ou sua natureza era, desde o início, a da traição e da torpeza?
A "promessa de lealdade" é como um precatório: só tem valor quando conseguimos sacar.