Em entrevista ao tradutor Eric Nepomuceno, a atriz Fernanda Montenegro define o mistério da existência.
Eric pergunta:
— Você tem medo da morte?
Fernanda responde:
— Não tenho medo, tenho pena de morrer.
É uma resposta maravilhosa dada pela nossa principal diva do teatro, do cinema e da televisão, ainda mais considerando quem ela é, dona de uma biografia repleta de acontecimentos, tanto pela sua intensidade quanto pela sua extensão, que comemora exatamente 95 anos nesta quarta-feira (16).
Não há como não se despedir com pesar, não querendo ir, segurando-se nas paredes da memória, nas portas das lembranças, freando as pernas.
Morrer é acordar sem poder dormir de novo. Imagine o baque que é não mais anoitecer, não mais fechar as cortinas, não mais se acomodar no escuro, não mais fraquejar de cansaço com a esperança do dia seguinte.
Até porque não sabemos o que tem do lado de lá.
Mesmo para quem acredita no paraíso, não restará certeza da justiça da troca. Uma vez espíritos, não contemplaremos o mundo de igual maneira. Porque uma coisa é olhar a beleza sendo finitos, e outra bem diferente é olhá-la sendo infinitos.
Uma coisa é ter um coração batendo, acelerado, apaixonado pelo porvir, outra muito distinta é não mais adoecer ou se importar com o próprio estado inerte.
A vida nos torna inesquecíveis. A morte nos torna previsíveis.
Nenhuma estrela se mostrará distante. Nenhum caminho se mostrará longo.
Ainda que permaneçamos lúcidos em uma segunda dimensão, sob forma de luz consciente, com o raciocínio ativo, o mar não vai nos emocionar como antes.
O mar é belo pelo risco de nos afogarmos nele. O ato de nadar é enaltecido por sobrevivermos às numerosas ondas.
Entrar no mar sem nenhuma vertigem não é respeitar as águas. Serão decorativas. Meros degraus de uma escada passando pela nossa frente.
O oceano nos impõe o desejo de atravessá-lo justamente por se apresentar tão difícil e impenetrável. Não perecer é ser como ele: imponente. Não existirá enfrentamento, reverência ou suspiro. Você não sofrerá mais por não dar conta.
Tomar banho de chuva tampouco surtirá efeito. Não nos preocuparemos com as roupas molhadas ou com o resfriado. Sequer temeremos as poças ou a lama escorregadia.
Tudo o que foi admirado não nos pertencerá. Não desfrutaremos da adrenalina do entorno a ponto de nos sentir respirando, participando do ar, economizando o fôlego, atentos ao fluxo das pessoas, reagindo à gravidade devido ao padecimento da carne.
Não haverá uma casa para voltar, um corpo para proteger, um destino a se alcançar. Seremos todos e ninguém. Não seremos mais passagem, mas a paisagem.
Talvez o único sentimento que se mantenha intacto seja a saudade. A saudade é experimentada aqui e acolá, num movimento anterior e posterior à morte. A saudade não morre.
Você descobrirá a saudade de ter vivido dentro do tempo, dentro da coragem. Terá pena de ir embora. Dó de não ficar. Sempre vai parecer cedo para se desapegar de repente, para nunca mais, diante de tamanha beleza.